




A floresta.
Os raios azuis.
Os cabides.
Na Casa da Calma, turismo rural ao pé de Santa Catarina, no Algarve. O gato da proprietária adormeceu na espreguiçadeira. A toalha pu-la lá eu e o difícil foi não acordar o bicho. Setembro de 2004. Sony Cyber-shot DSC-P72.
Fundo de um tanque num jardim contíguo à pousada do Alvito. Janeiro de 2007. Sony Cyber-shot DSC-P72.
"Lobby" do hotel Intercontinental em Abu Dhabi. Tirada durante o Ramadão, o cartaz publicita a excelência do "iftar" servido. O "iftar" é a refeição de fim de dia que quebra o jejum obrigatório. Sony Cyber-shot DSC-P72.
Rua de Odeceixe, numa noite de Verão. Agosto de 2006. Sony Cyber-shot DSC-P72.
Rue de l'Alboni, em Paris, ao pé do Trocadero. O letreiro fluorescente de uma farmácia forneceu o reflexo esverdeado. Outubro de 2007. Canon 400D, zoom a 28 mm, 1/60s, f6.3.
Uns acham que o homem foi criado todo bem-postinho ao sexto dia e que isto é que deveria ser ensinado nas aulas de biologia. Outros pensam que o facto de qualquer idiota poder ser dono de uma arma de fogo não tem nada a ver com as matanças que todos os anos ocorrem nos liceus americanos, quase com a mesma tradicional frequência que o baile de formatura. Há os que julgam que a substituição da educação sexual escolar pela promoção da abstinência entre os adolescentes não está na origem da maior taxa de gravidez precoce do mundo ocidental. Aqueloutros ainda não perceberam que os furacões cada vez mais vezeiros e violentos que levam no toutiço têm origem no aquecimento global promovido pelas carradas de CO2 que a indústria americana debita cá para fora. Verdade seja dita, não devem morar na Louisiana ou na Florida. Outros ainda supõem que a coisa se resolve furando mais poços de petróleo, dê lá onde der. E não me admirava que alguns haja lá para o meio que acreditam mesmo na existência do Santa Claus, “himself”. Já agora, para maluco, maluco e meio.
Ora o McCain, do alto dos seus setenta anos, inscreve-se mais no estilo do velho partido fundado em 1854 por anti-esclavagistas e modernizadores da política americana, o partido de Lincoln e de Theodore Roosevelt, partido que pouco tem a ver com a cegarrega autoritária e atrasada mental dos últimos tempos. Para parte da turba votante, é um suspeito esquerdista, apesar das condecorações e das cicatrizes.
Com tanto sandeu para contentar, McCain precisava de vários vice-presidentes, mas as regras deixadas pelos pais fundadores só lhe permitem um. Vai daí, passou a base de dados com os trezentos milhões de norte-americanos num algoritmo de optimização multi-variável e conseguiu desencantar numa vilória do Alasca o único americano – no caso uma americana – que não só acredita nos Pais Natal todos, como tem a idade e o sexo que ele não tem (demograficamente falando, é claro).
Sarah Palin nasceu no Idaho mas foi criança para o Alaska. O pai Palin ia com ela caçar o alce antes da hora de entrada na escola e a família entretinha-se com corridas de 5 e 10 km, o que a menos quarenta deve ser o máximo. Claro que isto tinha que deixar marcas na pequena Sarah que cresceu cristã evangélica, criacionista, membro da “National Rifle Association”, “pro-life”, “pró-virgem até ao casamento”, “pró-corte de subsídios aos deficientes”, “pró-esburacar o Alasca a sacar petróleo”, “pró-censura dos livros inconvenientes”, “pró etc.” Pró caraças não lhe faria mal nenhum!
Mas como Deus dá com uma mão o que tira com a outra, para compensar tanta burrice deu-lhe uma carinha laroca, com a qual ganhou o título de Miss Wasilla, possivelmente competindo contra duas ursas polares e uma “inuit” velhota, para que o “quorum” fosse preenchido. Forte desse diploma de beleza, andou em cinco universidades diferentes para acabar um curso de jornalismo, tornou-se repórter desportiva, presidente da câmara de Wasilla (sete mil alminhas, já contando os alces que sobreviveram ao pai Palin), governadora do estado (onde rapidamente deixou o orçamento num triste estado) e agora candidata à vice-presidência dos Estados Unidos da América. É assim como se a presidente da junta de freguesia de Curral das Moinas se visse de repente em ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
Tudo isto seria motivo para uma boa galhofa, não fosse o McCain ter setenta e dois anos, com quatro melanomas, muita porrada levada no Vietname e qualquer dia poder dar-lhe um badagaio. E, se tiver sido eleito, lá vão os códigos do arsenal nuclear para os dedinhos habituados ao gatilho da presidente Sarah Palin. Um sossego!
P.S.
Para quem não entendeu ainda bem o que é a direita evangélica norte-americana, recomendo os capítulos quatro a sete de “American Theocracy”, de Kevin Phillips, um antigo conselheiro de estratégia eleitoral de Richard Nixon. Um bocado maçudo, mas com dois ou três cafés vai.
Se quiserem uma versão sintetizada, vejam este extracto do Jon Stewart, que fala por si (o extracto, não o Jon):
E foi este triplo estado de alma que me veio à memória, ao ler no jornal Público de 5 de Agosto o artigo reportando a morte de Soljenitsin. O imprudente diário tivera a funesta lembrança de ir perguntar coisas à Zita Seabra – ignoro se incógnita especialista em literatura russa – que informou que só leu Soljenitsin depois de sair do PCP e arrematou com a seguinte pérola: “A esquerda não o lia.” Dei comigo de repente a imaginar a tia Zitinha, com a mesma e engelhada carinha de grão-de-bico, com o mesmíssimo e desanimante ar de figura do passado, aos pulos, tri-gritando “Sou direitista! Sou direitista! Sou direitista!”, num orgulho bacoco e cosmético. A lata da bicha!
A Ziteca engana-se redondamente. Em minha casa, o meu pai, que simpatizava com a esquerda e sempre lá votou, tinha Soljenitsin na sua biblioteca: o “Denisovitch”, o “Gulag”, “O carvalho e o bezerro”, pelo menos e que me lembre. Mas não precisou de ler Soljenitsin para perceber (e para nos transmitir) que não se prendem e matam pessoas pelas ideias que têm, que não se nega a realidade para que ela bata certo com o que a ideologia determina, que votar de mão no ar não dá saúde a nenhum sistema, e “et caetera”, tudo noções básicas para ele mas que a camarada Zita na altura teria considerado desvios burgueses, uma vez que precisou de sair do PCP e de cinquenta anos de vida para as entender. Se por mero acaso as entendeu.
Tenho pouquíssimo saco para estes grandes democratas da vigésima quinta hora, que passaram mais de meia existência a elaborar pesadas construções argumentativas para justificar o pacto Ribentrop-Molotov, as habilidades do Beria, o esmagamento de Praga ou os privilégios da “nomenklatura”, e que agora, na hora da derrota do ideário de uma vida, viram rapidamente a casaca, mudando num ápice de ferrenhos do partido a ferozes opositores, sem passar pela casa “partida” e sem receber os dois contos. Pior, ainda se arrogam o direito de se achar modernos e liberais e coiso e tal. Não são. Até porque a antipatia ideológica que os move quando tecem comentários insultuosos à esquerda democrática é a mesmíssima que Lenine tinha para com Liebknecht ou Luxembourg, que os comandantes russos enviados à guerra civil de Espanha exibiam para com os militantes socialistas ou que Cunhal afectava para com Soares. Há coisas que não mudam assim tão facilmente.
Claro que todos têm direito a alterar a sua opinião, que mais vale tarde que nunca, que a constituição portuguesa consagra o direito à asneira e mais todo o blá-blá. Sei tudo isso. Mas também sei que deveria haver vergonha na cara, que nessa gente escasseia. Quando a ouço, tão segura e sectariamente anti-esquerdista como no passado fora comunista, só me apetece dizer como o rei Juan Carlos: “porque no te callas?”
Lisboa em Julho: apertou o calor e os suaves pezinhos do mulherio passaram a calcorrear a calçada calçados de sandálias e havaianas, expondo “urbi et orbi” o último grito do requinte feminino: a unha do pé envernizada a vermelho.
A gama de encarnados vai do rosa “shocking” ao acastanhado “sangue coagulado na calçada” passando pelo encarnado “camisola do Benfica” e pelo grená “tintol do Cartaxo”, tudo cores que ferem a vista e poluem a paisagem. Dizem-me que deveria achar “sexy”. Ora eu não sou como o gajo que entrevistaram na Ribeira do Porto: a mim, o bermelho não me dá reaçom.
Recordo-me, em criança, de uma fase em que as mulheres pintavam a cascaria nestas cores proletárias. Mas tal pancada deve ter acabado a meio dos anos setenta, porque daí até cá, só pintavam a unha de vermelho as velhas que geriam o “métier” e as novas que o praticavam, bamboleando avenida acima e avenida abaixo. Agora, numa estatística rápida mas confiável, são para aí quatro em cada cinco, numa praga que atingiu púberes e caducas, tias e mitras, desconhecidas e até amigas minhas que eu pensava estarem ao abrigo das modas mais tolas. Não deixo de me rir para dentro ao imaginá-las corcovadas na cama, pincelando em esforço as unhas longínquas, de papelotes nos espaços interdigitais, os dedos da pantufa abertos em leque como se estivessem a atingir o sétimo céu.
Reconheço, por outro lado, o génio do pessoal do “marketing” das L’Oréal e das Shiseido deste mundo, para meter a malta a comprar o que lhes dá jeito. De facto, só putas não davam para alimentar grandes vendas. Com a criação desta mania, as companhias de cosmética empocham uma massa valente. Se não, calculemos.
Em Portugal há dez milhões de habitantes. Metade será do sexo feminino. Noventa e cinco por cento têm mais de dez anos. Quatro em cinco pintam a unhaca de encarnado. Dá 3,8 milhões de clientes. Se ninguém se tiver aleijado, cada uma ostenta dois pés, cada qual com cinco dedos, cada qual com uma unha. Se entre dedo grande e mindinho, passando pelos três do meio, a área média de cada unha for de 0,5 centímetros quadrados, se a espessura do filme de verniz andar nos 0,2 mm e se cada dama aplicar uma nova demão duas vezes por semana, cada uma vai gastar anualmente cerca de dez centímetros cúbicos, o volume de um frasco de verniz. Entre baratos de supermercado e exorbitantes de perfumaria, o preço médio ronda os dez euros.
Multiplicando tudo: quarenta milhões de euros por ano, provavelmente mais, só em Portugal. Muito cacau, para acabar limpo com diluente!
Um grande número escolheu a via arbitral, invocando o empurrão nas costas do Paulo Ferreira pelo Ballack antes do cabeceamento final, a que o árbitro, mancomunado com interesses obscuros e germanófilos, teria feito vista grossa. Segundo essa facção, que nem se indigna com batotas mas que lamenta sobretudo que Portugal não tenha na UEFA influência para influenciar as arbitragens, não quer dizer absolutamente nada o facto de os dois supostos melhores centrais do mundo (Carvalho e Pepe, para os mais distraídos) nem sequer lá estarem para ser empurrados.
Outros seguiram a tendência fadista, que se chora do nosso triste fado de apanhar equipas difíceis nos quartos de final. Esta gente vive no sonho de chegar à finalíssima defrontando sucessivamente o principado do Mónaco e as ilhas Faroé, para então disputar o caneco contra a selecção do enclave de Nagorno-Karabakh. De memória curta, não se lembram que em 2004 tivemos a Grécia de prenda na derradeira partida, em casa ainda por cima, e foi a secura que se viu.
Finalmente, há a corrente homofóbica, que ataca os coitadinhos do Ricardo e do Nuno Gomes, só porque um defende com as mãozinhas encolhidas à frente e outra ataca com as mãozinhas saídas para trás. Reconheço que o Ricardo desaprendeu, no Bétis, aquilo que os berros do Paulo Bento lhe tinham ensinado no Sporting: que ou se fica na linha ou se vai de punho em riste para arrebentar com a bola ou com o crânio do avançado, o que aparecer primeiro. E que a Maria Alice, por vezes, consegue que as bolas que chuta saiam na direcção perpendicular à aplicação da força, como os rotores dos motores eléctricos. Mas já pensaram em quem que lá pôs estas duas abetardas, a cantar o hino ao lado dos outros?
Tenho hoje de Scolari a mesma ideia que formei logo ao princípio: um treinador mediano, sem rasgo, conservador como há poucos, cujos limites de adaptabilidade táctica estão na troca de lado dos extremos e na entrada de mais um defesa para o lugar de um avançado.
Por outro lado, um fulano bacoco que nunca ninguém por cá teve hortícolas suficientes para o meter no seu lugar, especialmente o seu patrão, o federativo presidente de pêra. Este falhanço educacional ficou particularmente patente quando o Scolari, com as quinas ao peito e em directo para a Eurovisão, decidiu aplicar um gancho na tromba de um jogador sérvio que aproveitou a deixa para cair de costas com estrépito, enquanto o nosso seleccionador, valentíssimo, corria a esconder-se atrás da sua corte, a ver se ninguém o tinha visto. Deveria então ter sido expeditamente despedido, mas a federação perdeu essa derradeira oportunidade de polir o senhor.
Dizem-me que o homem ganhou o mundial. Com o Brasil, não é grande ciência. Recorda-me uma crónica do Duda Guennes, jornalista brasileiro que cá viveu muitos anos, escrevendo para o “A Bola”. Contava que um treinador tentava explicar a um avançado uma táctica complicada, com basculações laterais, triangulações, entradas pelos flancos. O jogador, um moço talentoso mas algo favelado e de poucas capacidades intelectuais, ia ouvindo sem entender, olhando confundido. A certo momento, o treinador desistiu e disse-lhe: “Vamos trocar por miúdos. Ficas lá à frente e marcas golos. Percebeste?” O rapaz percebeu e meteu três batatas na baliza do adversário, levando a sua equipa à vitória. No final, quando a rádio lhe perguntou como tinha feito, respondeu: “Cumpri as instruções do mister. Ele mandou trocar por miúdos e eu troquei.” Com o escrete, passa-se o mesmo. Qualquer treinador se arrisca a ganhar o mundial, desde que seja capaz de lhes dizer para irem lá para dentro trocar por miúdos.
Dizem-me também que Portugal se qualificou sempre e que chegou a quartos e a meias-finais. Como dizia o “The Guardian”, Portugal possuía a equipa mais cara do Euro, quase toda constituída por jogadores de grandes clubes europeus. Melhor seria se não se qualificasse, e ficarei sempre com um amargo de boca de termos falhados sucessivas oportunidades soberanas de ganhar um grande título. Que teriam feito Gus Hidding ou José Mourinho com uma equipa destas?
Scolari é o treinador mais medroso do planeta, com excepção para aí do Camacho, que se esconde sempre atrás das culpas dos jogadores. Se precisa desesperadamente de ganhar um jogo por um a zero, duas coisas podem acontecer: se a equipa marca ao minuto quarenta e oito e estiver a dar um banho de bola ao adversário, ameaçando chegar à goleada, imediatamente tira um avançado e põe um médio defensivo, do tipo buldogue, rezando à Virgem do Caravaggio para que a bola não entre na nossa baliza. Se as coisas se complicam e o zero a zero se mantém, ou até se estiver perder, Scolari atrasa até aos oitenta e tal minutos a entrada de mais um avançado, rezando à Virgem do Caravaggio para que a bola entre na baliza oposta.
Outra peculiaridade de Scolari é o conservadorismo das escolhas. Jogador que caia nas graças do sargentão tem sérias hipóteses de jogar de muletas, se por acaso se lesionar. Há meia dúzia de eleitos que até podem estar no banco dos seus clubes uma época inteira, ou parados com uma rotura de ligamentos, mas que já sabem que lá irão ter à espera uma camisola com a cruz de Cristo. Uma excelente maneira de promover a concorrência e de incentivar a equipa: os preferidos sabem que não tem que se chatear excessivamente; os suplentes percebem que escusam de morrer em campo, porque o esforço não os vai tirar do banco. Na selecção portuguesa, só falta um sistema de diuturnidades.
À falta de conhecimentos tácticos e de estudo do adversário, Scolari recorre sobretudo a um esforço de mentalização que passa por papelinhos debaixo da porta dos jogadores na véspera dos jogos, com frases de fino recorte psicológico sobre os deveres para com os colegas de equipa ou por palestras à boca do jogo pelo Ricardo ou pelo Figo, com todos abraçados, do género “vamos lá cambada”, ou, ainda, por rezas colectivas. Só faltou ver o nosso seleccionador em transe a exorcizar o demónio, no palco do antigo cinema Império, em pose pentecostal, a segurar a melena de um Nuno Gomes ajoelhado e a gritar, sofrido: “Vai embora, Satanás! Deixa o minino marcar gol! Banco é caixa! Bota lá o dízimo!”. À próxima, mais vale contratar logo o bispo Edir Macedo para orientar a selecção.
Compreende-se agora que os dois mais importantes adjuntos de Scolari sejam o Murtosa, modelo de seguidismo canino, e a Virgem do Caravaggio, promotora de paia milagreira. Mas fidelidade e sorte não são adversárias credíveis para a organização e para o talento, sobretudo quando o nome que se apanha pela frente é o da Itália ou da Alemanha e não o da Bélgica ou da Letónia.
À medida que os adversários vão ficando sucessivamente mais poderosos, a Virgem do Caravaggio, figura menor da hagiologia católica, vai baixando de potencial, erodido pelo famoso princípio de Peter. A santa talvez chegue para bater os maometanos do Cazaquistão, mas torna-se impotente contra os alemães, que têm “Gott mit uns”, para além de um treinador a sério. E assim se perdeu uma geração de ouro e a oportunidade de ganhar qualquer coisinha.