sábado, julho 12, 2008

Cenas ridículas (III): Os modelos

Gostos não se discutem, por isso não se ofenderão que eu considere algumas actividades humanas patéticas ou inúteis ou ambas. Coisas como o veraneio ziguezagueante nos corredores do Colombo, o solitário estudo académico da sexualidade do caracol ou o manso exercício de um lugar de deputado no parlamento madeirense. Maior bocejo, a mim, só o mundo da moda.

Não concebo, nem o prestígio social de “costureiros” e “modelos”, nem a admiração pelas capacidades de desfile das pequenas, nem qualquer interesse, por pequerruchinho que seja, no espectáculo de roupagens gongóricas a circular por cima de um estrado. Tal e qual como na britagem de pedra a martelo pneumático, não vejo naquilo arte ou entretenimento, mesmo que remotamente.

Não quero cair aqui no lugar-comum de afirmar que os modelos são todos palminhos de cara com meia-dúzia de gramas de massa encefálica. Talvez não exactamente todos. Admito que haja uma ou outra doutorada em física atómica ou filologia românica, como aquelas Miss Mundo colombianas que a voz “off” do locutor garante andarem a estudar gestão na pontifícia universidade de Medellin e que, quando forem grandes, querem trabalhar a ajudar crianças.

Só que para o que elas e eles fazem, se tiverem quatro neurónios, um já se pode candidatar ao subsídio de desemprego. Desfilar não tem segredos: basta enfiar uma vara de metro pela garganta abaixo para dar um andar marcial, marchar dez passos com ar de andróide, meneando a anca, estufar o peito no fim da passadeira, de mãozinhas à varina e cara de não-me-toques, voltar pelo mesmo caminho e correr aos bastidores trocar de roupa e snifar uma eventual linha. Até eu fazia aquilo, não fora o meu pouco jeito enquanto engolidor de sabres.

Por outro lado, qualquer broto descido da Rocinha ou da Tijuca para uma perninha de Carnaval no sambódromo saracoteia melhor que a mais bem remunerada das “top-models”. Mas de dez a zero! Por vezes fico aparvalhado ao ouvir referir o “talento natural” ou a “arte do desfilar” de fulana ou sicrana, como se estivéssemos a falar da Margot Fonteyn ou do Maradona. Sejamos sinceros: não existem bons modelos, o que existe são modelos boas, mesmo muito boas, e mais não se espera delas. O povo está-se nas tintas para a Gisela Bundchen: quer é sonhar com a Bundchen da Gisela!

Mas se tudo se resume às qualidades físicas das moças, porquê perder tempo e esbanjar recursos com passarelas e costureiros, modas Lisboa e criações Outono-Inverno, caprichos de vedetinha ou até com roupas? Compre-se daquelas revistas que os adolescentes tão a gosto empunham e arregale-se o olho, descomplexadamente e sem subterfúgios.

E as roupas, as “criações”? Voltemos a usar de sinceridade: quem seria capaz de vestir os barrocos e bacocos disparates saídos do lápis daquela malta? Aparte os extraterrestres que aparecem nos episódios do Star Trek e os cabeçudos do Carnaval de Torres Vedras, não vejo mais ninguém.




O mundo das “passerelles” faz-me a mesma espécie que fazem, nas suas diversas formas, a vacuidade e a vaidade. A palavra “vaidade” tem, aliás, a mesma raiz etimológica que “vão” e “vazio”. Veja-se o francês “vanité”. Transformar um vil defeito numa rentável indústria, já chateia um bocado. Querer-lhe dar ares de “glamour” e inteligência, para atrair tontinhas com pensamentos anorécticos para carreiras de desgaste rápido, chateia mais ainda. A pretensão de exclusividade, essa, soa ridícula. Moda, por definição, é o valor que aparece mais frequentemente num conjunto. Por isto, moda vende a Zara ou o C&A, e não a Fátima Lopes ou a Ana Salazar.

3 comentários:

PW$$$ disse...

Oh, há muito para falar sobre a sexualidade do caracol. Especialmente quando, de forma tantricamente lenta, põe os pauzinhos ao sol...

Quanto à alta costura, é tipo as corridas de fórmula 1: bólides caros, fininhos e aerodinâmicos, que ninguém vai usar na vida real mas que toda a gente inveja. E tal como nas passerelles, estamos sempre morbidamente à espera que os modelos se espalhem ao comprido.

Mas se não existissem os modelos de topo para fazer experiências, a moda não evoluía e ainda vestíamos a roupa dos nossos saudosos paizinhos. Por exemplo, e voltando às analogias automóveis, tenho um amigo cujo carro se afoga sempre que passa por uma poça de água. Claramente a precisar de inovação e progresso!

NunoF disse...

Meu caro Carlos, nota que algumas dessas modelos de tanto bambolear a anca se tornaram cantoras de sucesso e depois 1ªs damas francesas.

Claramente há quem goste... :-)

Cristina Rodo disse...

Estava já eu com os dedinhos no teclado, pronta para te explicar umas coisas, quando me deparo com a resposta do amigo pw$$$... Depois disso não há grande coisa a dizer... Excepto talvez que, apesar de perceber o mecanismo da coisa, concordo totalmente contigo.