domingo, julho 20, 2008

Cenas ridículas (IV): a unhaca vermelha

Lisboa em Julho: apertou o calor e os suaves pezinhos do mulherio passaram a calcorrear a calçada calçados de sandálias e havaianas, expondo “urbi et orbi” o último grito do requinte feminino: a unha do pé envernizada a vermelho.

A gama de encarnados vai do rosa “shocking” ao acastanhado “sangue coagulado na calçada” passando pelo encarnado “camisola do Benfica” e pelo grená “tintol do Cartaxo”, tudo cores que ferem a vista e poluem a paisagem. Dizem-me que deveria achar “sexy”. Ora eu não sou como o gajo que entrevistaram na Ribeira do Porto: a mim, o bermelho não me dá reaçom.

Recordo-me, em criança, de uma fase em que as mulheres pintavam a cascaria nestas cores proletárias. Mas tal pancada deve ter acabado a meio dos anos setenta, porque daí até cá, só pintavam a unha de vermelho as velhas que geriam o “métier” e as novas que o praticavam, bamboleando avenida acima e avenida abaixo. Agora, numa estatística rápida mas confiável, são para aí quatro em cada cinco, numa praga que atingiu púberes e caducas, tias e mitras, desconhecidas e até amigas minhas que eu pensava estarem ao abrigo das modas mais tolas. Não deixo de me rir para dentro ao imaginá-las corcovadas na cama, pincelando em esforço as unhas longínquas, de papelotes nos espaços interdigitais, os dedos da pantufa abertos em leque como se estivessem a atingir o sétimo céu.

Reconheço, por outro lado, o génio do pessoal do “marketing” das L’Oréal e das Shiseido deste mundo, para meter a malta a comprar o que lhes dá jeito. De facto, só putas não davam para alimentar grandes vendas. Com a criação desta mania, as companhias de cosmética empocham uma massa valente. Se não, calculemos.

Em Portugal há dez milhões de habitantes. Metade será do sexo feminino. Noventa e cinco por cento têm mais de dez anos. Quatro em cinco pintam a unhaca de encarnado. Dá 3,8 milhões de clientes. Se ninguém se tiver aleijado, cada uma ostenta dois pés, cada qual com cinco dedos, cada qual com uma unha. Se entre dedo grande e mindinho, passando pelos três do meio, a área média de cada unha for de 0,5 centímetros quadrados, se a espessura do filme de verniz andar nos 0,2 mm e se cada dama aplicar uma nova demão duas vezes por semana, cada uma vai gastar anualmente cerca de dez centímetros cúbicos, o volume de um frasco de verniz. Entre baratos de supermercado e exorbitantes de perfumaria, o preço médio ronda os dez euros.

Multiplicando tudo: quarenta milhões de euros por ano, provavelmente mais, só em Portugal. Muito cacau, para acabar limpo com diluente!

Justificou-me uma amiga, em tom de desculpa, quando a descobri de unha rubi nos pés achinelados: “olha, decidi dar largas à minha feminilidade”. Porreiro. Também quero. Rapazes! Vamos dar largas à nossa masculinidade, mas versão anos setenta. Todos a deixar crescer a patilha à Ramalho, o bigode à turco, a unha do mindinho a tornear o canal auditivo em voltinha higiénica, com os colarinhos da camisa que nem as asas de um Airbus e a parte de baixo das calças de ganga como os carrilhões do convento de Mafra.

2 comentários:

NunoF disse...

Epá, esta tua categoria lembra-me um par de boas ideias de que podias dissertar na mesma onda:

V: As gravatas como elemento essencial da farda

VI: A trunfa à queque do PP

VII: Os modernistas dos BMW

;-)

Cristina Rodo disse...

Ó Carlinhos... não é com diluente que se limpa o verniz, é com acetona...
Faz lá as contas aos milhões de euros em acetona que se gastam por ano!
Nota que, como sabes, não dou largas à minha feminilidade... lolololol
Acho aliás que para dar largas à feminilidade se devia arranjar uma maneira de fazer passar desapercebidas as unhas dos pés... coisa feia!!!