sábado, abril 03, 2010

A cena peluda

As mulheres têm mais capacidade de fazer corar os homens do que o contrário.

Verdade. Dei-me pela primeira vez conta dessa realidade no início da minha carreira, quando fiz parte de uma equipa que realizou uma coisa chamada “caracterização dinâmica da barragem do Alto Lindoso”. Basicamente consistia em passar o dia num buraco no paredão da barragem, na altura em construção, em frente a uns computadores que hoje nos fariam rir, daqueles com letras verdes em ecrãs pretos, a ver como é que aquilo abanava.

À hora de almoço, descíamos por uma estrada sinuosa, evitando “in extremis” camiões gigantes e bois barrosões razoavelmente grandes até um restaurante frequentado exclusivamente por homens da obra. Ficava numa casa de quinta antiga, com uma sala grande atravancada pelo amesamento e um fogão a lenha em ferro preto que ainda funcionava. As proprietárias, duas irmãs velhinhas, daquelas minhotas trigueiras com uma pele lisa que a idade sulca mas não enruga, circulavam entre mesas distribuindo rojões, dobradas, feijoadas e outras levezas da culinária nortenha. À época, as preocupações com o agá-dê-éle ainda não constavam.

Um dos dias, durante o almoço, tocou um telefone de parede daqueles de baquelite e sonora sineta. Atendeu uma das irmãs e foi falando, alto para vencer o murmúrio colectivo dos mastigantes. Percebia-se que falava com um filho que morava no Porto. Não sei o que este lhe disse, mas a dada passo a velhota interrompeu-o: “já não estou a gostar do c… da conversa!”. E vai daí desancou-o de alto a baixo, soltando mais palavrões em cinco minutos do que todos aqueles que se haviam proferido nessa manhã na obra, onde moinava cerca de um milhar de gajos.

Na sala, o ambiente era constrangido e o murmurar tinha-se silenciado. Só se ouvia a velha, de bata florida e lenço na cabeça, aos impropérios e bujardas. Recordo-me de na mesa à minha frente um operário de macacão de ganga, um homenzarrão ruivo e barbudo, com quase dois metros, baixar o olhar para o prato e corar, mas corar vermelhão.



Esta cena volta-me à memória por vezes em certos jantares em que entre o fim da sobremesa e o sorver do café, os homens olham embaraçados uns para os outros, sem saber o que dizer, no limite do coranço, quando elas se põe a debater assuntos que noutros tempos da fidalguia passariam por ser de alguma intimidade.

Nas ocasiões mais recentes, o tema que está a dar é a depilação. A conversa normalmente começa nas axilas e depois vai descendo. Exactamente até aí. E nesse preciso momento os rapazes ruborizam e um deles desafia os outros para uma cartada, para fugir ao embaraço.

Elas vão discutindo métodos e vantagens, extensões e penteados, cortes e metodologias. Comparam os custos e as dores e contrapõem face à excelência dos resultados. Pelo que não podemos deixar de ouvir, o que está a dar agora é a depilação a “laser”, pagando-se bem mas de resultado definitivo. Tal como com o cavalo de Átila, a relva não volta a crescer.

Quem estabeleceu as bases teóricas do “laser” foi nem mais nem menos do que Einstein, num artigo de 1917 intitulado “Sobre a teoria quântica da radiação”. Nunca pensou o guedelhudo e bigodudo génio que as suas ideias pudessem vir a servir tão acarecante propósito.

Embora eu ainda tenha trabalhado com “lasers” na universidade, certamente em aplicações menos nobres, tive alguma dificuldade em visualizar como se daria a utilização da amplificação de luz por emissão estimulada de radiação nestas recônditas circunstâncias da depilação íntima. Como funcionaria? Pus-me a imaginar laboratórios escuros, raios verdes e vermelhos atravessando tubos transparentes, cientistas de bata branca. De repente, atingiu-me uma epifania e no meu cérebro materializou-se a seguinte cena:


Na sala de depilação a “laser”, entra a figura negra e capeada de Lord Darth Vader:

- I can feel a hairy disturbance in the Force. You have failed to depilate effectively. I will not tolerate this again.

A depilante, pendurada no ar pela força mental do Jedi e um pouco nervosa:

- É a porcaria daquela cera, Lord Vader, não …
- Wax is the depilator of the weak. I will proceed immediately to a more definitive termination!
- Sim, Lord Vader, mas com jeitinho…
- I will use the power of the Force to make you assume the depilating position!

A depilante, nua da cintura para baixo, é rodopiada no ar no centro da sala até atingir a configuração propícia. Lord Vader aproxima-se:

- Using the power of the Force to control two legs and a torso is more tiresome than strangling an incompetent Death Star lieutenant. You will have to pay well
- Hi,hi! Já paguei o sinal ao robô que está à entrada do consultório, Lord Vader!
- Gooood!

Nesse momento houve-se um “uoooooon” característico e o Jedi negro desembainha o seu sabre de luz, que pulsa, avermelhado, no centro da sala. Aproxima-se e inicia a operação…

Mais tarde, Lord Vader ajoelha-se diante do Imperador Galáctico, Palpatine:

- Reporting as requested, My Lord.
- Have you performed today the depilating task as planned, Lord Vader?
- Yes, My Lord. All her hair is now gone. I accidentally cut off one leg and both buttocks in the process.
- That is a minor side-effect in the pursuit of baldness. I’m overall satisfied, Lord Vader.
- Thank you, My Lord.
- What about the rebels? Are they epilated?
- Han Solo is currently stuck in a carbonite slab and impossible to reach. Luke Skywalker is as baby faced down there as below his nose, so no work to do. According to intelligence, Princess Leia, as most female earthlings, has already epilated herself down to the core. I am now focusing on Chewbacca, My Lord.
- And when do you foresee that this task will be terminated?
- Chewbacca is quite hairy, My Lord! Looks like an Austrian earthling female. But I expect to be able to finish him in episode VIII of the saga.
- Do better, Lord Vader. Episode VI is the limit. No pubic hair must survive after then anywhere in the Galaxy!
- (Glup) I will do as you wish, My Lord.



Pois. Deve ser mais ou menos assim que a coisa se passa.

Regressei à Terra, onde elas continuavam a debater o problema do pelo persistente. Deu-me para fazer a pergunta incorrecta:

- Se essa cena é definitiva, como é que vocês fazem quando a moda mudar?

Olharam para mim com ar transviado. Insisti:

- Sim. Isso deve ser como as gravatas e as abas do casaco, que alargam e estreitam com um intervalo de dez anos. Se calhar, daqui a uns tempos volta a moda “afro”. E nessa altura? Se isso do “laser” é definitivo?

Pintou um clima silencioso. As bocas delas entreabriam-se procurando facilitar a resposta que não surgia.

De repente, uma dos homens quebrou o gelo para dar a opinião que se impunha:

- Nessa altura, vão ao mesmo sítio onde lhes passaram o “laser” e pagam uma fortuna igual para fazer um implante.

2 comentários:

Alex disse...

Chorei a rir. Obrigadinha, pá

(He,he-he, era muit'a bem feita que a moda passasse)

Cristina Rodo disse...

Olha lá... foste à loja dos cogumelos no Bairro Alto?!
lolololololol