sábado, abril 17, 2010

O acocoramento


“Le roi est maintenant âgé de 54 ans : son aspect est tout à fait royal,

en sorte que sans avoir jamais vu sa figure ni son portrait, à le regarder seulement, on dirait aussitôt : c’est le Roi


Descrição de Francisco I de França pelo embaixador de Veneza, em 1546



Ontem, o nosso Presidente da República deu má conta de si e de nós em Praga, permitindo que o seu homólogo checo se fosse sem resposta quando, durante uma visita de Estado e perante uma plateia de empresários e jornalistas dos dois países, lhe deu para achincalhar Portugal com piadinhas parvas sobre o défice deles e o nosso e as preocupações deles e a nossa descontracção diante do assunto e não sei mais o quê. Basicamente tentando chamar-nos mandriões do sul.


Aceito que Cavaco Silva possa alegar duas atenuantes.


A primeira, que os checos são um dos povos com menos piada da Europa. Passei quinze dias em Praga em 1987. À época, o russo ainda se ensinava como primeira língua estrangeira no ensino liceal, provavelmente para perceberem as instruções recebidas de Moscovo, e as checas ostentavam “vaca” no sufixo. Lembrando essa estadia, recordo as características de simpatia, trabalho, atenção, mas também que, coitadinhos, não tinham piadinha nenhuma. Falta-lhes o gene do humor, possivelmente perdido algures durante as rebaldarias associadas às invasões otomanas: ao seu lado, os suíços fariam figura de foliões. Por isso, ver Vaclav Klaus soltar graçolas como se dessem para rir pode deixar basbaque o interlocutor mais desprevenido e parece-me que foi isso que aconteceu com Cavaco. Para os menos atentos, Klaus é o PR da República Checa, único país do mundo cujo nome é um adjectivo e não um substantivo. Como será mesmo que aquela trampa se chama? Chéquia? Quezéquia? Alguém me ajude.


Depois, Klaus é o típico burocrata de regime comunista reconvertido a convicto neo-liberal após a queda do Muro. Normalmente os piores, pois mantêm na nova encarnação o sectarismo e a arrogância de que necessitaram para sobreviver na primeira. Um tipo que como ele trabalhou quinze anos como economista no banco central de um país da cortina de ferro deve ter escrito muito relatório a defender o planeamento central, com letra cursiva e o mesmo afinco com que agora preconiza a excelência do livre mercado. Para mais, viu-se também que é ordinário, não sabendo comportar-se com uma visita. Nenhum dos seus assessores lhe lembrou Bismarck, que dizia que até uma declaração de guerra se redige de forma educada. E para terminar é idiota, como se pode ver pelas suas afirmações esclarecidas de que o CO2 não causa aquecimento global ou os estereótipos que manifestou quando a Checocoisa ocupou a presidência semestral da União Europeia. A ele aplica-se como uma luva a máxima de John Stuart Mill, de que nem todos os conservadores são estúpidos, mas que a maioria dos estúpidos são conservadores.


Apesar destas razoáveis desculpas, Cavaco mostrou figura fraca ao não ter imediatamente respondido com um coice. Ao calar-se abaixou-se, perdeu a dignidade e esqueceu-se que nos estava a representar a todos. Até o seu aspecto físico se encarquilhou perante a humilhação. Exactamente o efeito contrário ao do impacto da aparência de Francisco I que transcrevo em epígrafe. A olhar para Cavaco embaraçado a ouvir as bujardolas do checo, o tal embaixador de Veneza não exclamaria “c’est le Roi”, mas antes “c’est le valet”.


Perante o alarve, Cavaco tomou a única atitude que não devia ter tomado: não tomar nenhuma atitude. Podia ter saído da sala ou ter manifestado o seu desagrado argumentando e fazendo notar à frente daquela gente toda que o outro passara das marcas. Muito melhor todavia se tivesse conseguido dar-lhe uma resposta curta, humorada e venenosa que devolvesse para o lado de lá a bola do embaraço. Daquelas boas como já as houve.


Já aqui no blogue citei, noutro texto, a magnifica resposta de Lourenço da Cunha, enviado de D. João II à corte de Castela, que chamou elegantemente rameira à rainha Isabel a Católica à frente da sua corte, quando ela se começou a chegar muito à frente e a tratar Portugal por cima da burra. A missão diplomática fracassou mas D. João II, que percebia a importância relativa das coisas, recompensou amplamente o embaixador pela presteza e oportunidade da resposta.


Outro que não esteve mal foi Gustavo Adolfo da Suécia no seu primeiro encontro com o czar, numa planície nevada. O sueco subira muito jovem ao trono e o russo mandou a piadinha em tom sarcástico: “nunca pensei que fosse tão novo”. Gustavo Adolfo, um latagão dois palmos mais alto que o czar olhou para baixo e respondeu: “nunca pensei que fosse tão pequeno”. Toma e embrulha e vamos à guerra.


Ou a famosa de Churchill a Lady Astor, a primeira mulher deputada no Reino Unido, que lhe disse que se ele fosse seu marido lhe envenenava o chá ao que Churchill retorquiu “e eu se fosse seu marido, bebia-o”.



Uma destas é que faltou em Praga a Cavaco, para soltar a Vaclav Klaus. Qualquer coisa como “pois, não tivemos a sorte de ter os soviéticos a ensinar-nos durante quarenta anos disciplina orçamental” ou então “de facto, a experiência que o senhor adquiriu a planificar a economia nos velhos tempos da guerra fria deve dar jeito nestas alturas”, dito com sorriso e um pose de “se te fosses lixar?”.



Entretanto por cá, também ontem, houve sururu na Assembleia porque o Zé Sócrates teria sussurrado “manso é a tua tia”, quando Louçã, no seu melhor ar seminarento, lhe afirmara que ele estava mais manso. Admito que o Bloco, de tão “prafrentex”, se tenha esquecido que manso, em português de Portugal, ainda mantém um sentido figurado que pode não agradar a um homem. No tempo do meu avô, uma insinuação de mansitude seria suficiente para se tirar coletes e trocar socos.


Sócrates, ao contrário de Cavaco, teve aqui pelo menos o mérito de não ficar calado. Mas ficou-se infelizmente pela metade: devia ter falado em voz alta, para o microfone, e colocado entre o “manso” e o “tua tia” uma palavra vernácula que caracterizasse a natureza comercial da referida senhora.

1 comentário:

NunoF disse...

Que é que tu queres? O povinho prefere o Tecnocrata catedrático de Economia, talvez por nostalgia salazarista - por muito que isso seja inútil nas funções de Presidente da República...

Por muitos defeitos que tenha (e tem paletes deles ) o Manuel Alegre teria certamente respondido à letra, e o menos politicamente correcto possível e em verso!
O que nós precisamos é um tipo com "Balls" em Belém, do género daquele senhor que respondeu "Obviamente demito-o"...