sexta-feira, abril 23, 2010

O sentido da vida


"You see that house? That is where I was born. My mother said to me, "Gaston. The world is a beautiful place, and you must spread joy and contentment everywhere you go". And so I became a waiter... Well, I know it is not a great philosophy but..."

Eric Idle, in "The meaning of life"



Em 1984 assisti num cinema de Lisboa a “O sentido da vida” dos Monthy Python. Na altura namorava uma rapariga muito católica e algo convencional e vi-me aflito para que ela não saísse portas fora da sala. Já me tinham acontecido experiências dessas (algures entre umas quantas e bué) por elas nem me quererem ver mais, mas foi a primeira vez que uma tentava pôr-se a andar por não querer ver o filme.

Na tela, Cleese, Palin, Jones, Idle, Gilliam e Chapman desancavam tudo numa sucessão de “sketches” que varria a vida do nascimento até à morte: a religião, o ensino, o exército, o estreito mundo dos gestores e da finança, a vacuidade burguesa, a vacuidade operária, a vacuidade dos ricos, a televisão, os bastidores do espectáculo, a justiça e o mais que lhes viesse à tola.

Na altura, o filme passava possivelmente das marcas para muitos espectadores e não posso ter a certeza que gente não tenha abandonado a sala, ocupado eu que estava com um olho no burro e outro no cigano, um a ver a fita e outro a controlar a miúda que fazia fita para ir embora, que não estava para aturar aquilo. Na página da IMDB sobre o filme, na “Internet”, muitos comentam que quando o viram no cinema tiveram espectadores a sair a meio.


No fim-de-semana passado revi “O sentido da vida” em DVD na fofura do meu sofá e apenas um dos gatos me abandonou em plena sessão para ir trincar uns “snacks” na sua malga. Passaram vinte e cinco anos e o filme ganhou alguns cabelos brancos, como referências aos vídeos Betamax ou a aparição de “blazers” aos quadrados, que até lhe dão uma certa graça, e continua um portento. O melhor elogio que se lhe pode prestar é dizer que ainda hoje, se exibido em sala para ruminantes da pipoca, fará muita gente sair a metade – ou menos.

É verdade que os tempos mudaram, os anúncios mostram rabos e os padres andam com má imprensa. E até tivemos o Borat. Mas Sacha Baron Cohen escolhe alvos fáceis: goza com aqueles de quem até gostamos de gozar, por nos acharmos superiores. O jogo com os Monthy Python é mais arriscado. Corremos o perigo de ter que nos rir de nós próprios. Para falar verdade, “O sentido da vida” até não nos põe a rir muito. Mas passamos duas horas a sorrir à gargalhada.

O filme mostra-nos os Python no seu estado natural: gongóricos, barrocos, surrealistas, às vezes escatológicos, sempre nos limites, à beira do precipício mas sem nunca cair aos abismos do barrasco. Algumas cenas são apenas muito boas, outras simplesmente geniais. Só os Python conseguiriam fazer um número de “music-hall” do tipo “Annie”, cheio de coros infantis, a gozar com a proibição de usar preservativos pela Igreja Católica, à volta do mote “every sperm is sacred”. Ou exibir-nos a Morte, encapuçada e de gadanha, a bater à porta de um jantar de queques ingleses num “cottage” e a ser convidada a entrar para um copo, enquanto a dona da casa comenta para os convidados: “é um dos aldeões”. Ou uma aula de educação sexual num colégio privado inglês, com exemplificação ao vivo pelo Prof. John Cleese com a esposa, perante o ar de enfado dos alunos. Posso estar para aqui a falar, mas na realidade só visto.

O segredo dos Python é o de que tudo vale, desde que subverta e que exponha. Quando Graham Chapman morreu de cancro em 1989, os outros Python fizeram uma cerimónia de homenagem em que John Cleese começou por dizer:

“Graham Chapman, co-autor do “sketch do papagaio”, já não está connosco.

Deixou de ser. Cansado da vida, descansa em paz. Bateu a bota, esticou o pernil, foi desta para melhor, quinou, deu o último suspiro, e foi encontrar-se com o Grande Chefe do Entretenimento Ligeiro no céu. E presumo que todos estaremos a pensar como é triste que um homem de tanto talento, de tanta capacidade de gentileza, de tão invulgar inteligência, se tenha ido em espírito com a pouca idade de quarenta e oito anos, antes de completar muitas das coisas de que era capaz e antes de se divertir que chegasse.

Bom, sinto que devo dizer: disparate. Bem nos livrámos dele, o desbocado do sacana. Ele que arda.

E a razão pela qual sinto que devo dizer isto está em que ele nunca me perdoaria se eu deitasse fora esta gloriosa oportunidade de os chocar a todos em nome dele. O pior que lhe poderiam fazer era bom gosto acéfalo.”

Claro que todos se riram e Cleese confessou que na noite anterior, enquanto preparava o discurso, Chapman lhe segredara ao ouvido: “OK, Cleese. Sei que te orgulhas de ter sido a primeira pessoa a dizer “merda” na televisão britânica. Se essa homenagem que estão a fazer é mesmo para mim, para começar quero que sejas o primeiro em Inglaterra a dizer “foda-se” numa cerimónia fúnebre”.

E ele teve que cumprir. Que os meus amigos, chegada a hora, não me falhem como Cleese não falhou.


Bem! E afinal, qual o sentido da vida? Na última cena do filme, Palin, vestido de mulher, sentado num cadeirão, recebe de uma assistente um envelope dourado contendo o sentido da vida. Abre-o como se abrem os envelopes dos Óscares e lê com ar alheado:

- Nada de especial. Tentem ser simpáticos. Evitem comer gorduras. Leiam um bom livro de vez em quando. Passeiem. Façam por viver em harmonia com pessoas de todos os credos e nações…

De facto, o sentido da vida andará mais ou menos por aí, para azar de quantos o procuram em vão nos lugares mais recônditos ou nas mentes mais exóticas deste mundo e do outro.

Quando o genérico final começou a passar, ao som de uma cantoria alegre por Eric Idle, carreguei no “eject”, guardei o disco na caixa e em vez de a devolver à prateleira dos filmes coloquei-a na biblioteca, entalada entre a História da Filosofia Ocidental e uma selecção comentada de textos dos Evangelhos. Ali fica bem.

1 comentário:

Cristina Rodo disse...

Always look at the bright side of life... tiru, tiru, tirutiru...
Só para saberes que te li e gostei, não tenho nada inteligente para dizer ;)