segunda-feira, abril 27, 2009

Originalidades portuguesas

A casa onde nasceu Hitler, na cidade de Braunau am Inn, na Áustria, fica numa rua chamada Salzburger Vorstadt. No tempo do “Reich”, havia em Braunau uma Adolf Hitler Strasse, como muitas outras existiam no império dos mil anos – que afinal só durou doze. Hoje, não há nenhuma toponímia local que refira o ditador: nem sequer um becozito. Mas, na escola primária que ele frequentou, uma placa informa o passante do seguinte:

“Aqui aprendeu a ler e a escrever Adolf Hitler, 1895-1897. Não saúdem. “Des-saúdem”. Trouxe morte e destruição a milhões de pessoas.”

Na mesma placa, encontra-se encastrado um pedaço das “escadas da morte” do campo de concentração de Mauthausen.


A morada natal de Mussolini, em Predappio, na Emília-Romana, encontra-se hoje numa Via Varano Costa Nuova. Alberga agora um museu onde se realizam exposições de arte ou de documentação histórica. Na cave desse edifício fica a cripta Mussolini, onde repousam os seus restos mortais, depois de muitas atribulações. Mussolini e a sua amante Clara Petacci morreram executados por “partisans” comunistas na aldeia de Giulino di Mezzegra em 27 de Abril de 1945. No dia seguinte, penduraram os seus corpos de uns ganchos, de cabeça para baixo, numa praça de Milão e a populaça apedrejou-os. O féretro de Mussolini foi enterrado numa campa anónima num cemitério municipal milanês mas, em 1946, um grupo de neo-fascistas encontrou o local e desenterrou-o para lhe prestar sentida homenagem. O cadáver andou depois em bolandas durante uns meses, levado daqui para ali pelos seus admiradores, até ser recuperado numa mala numa aldeia da periferia de Milão. A nova república italiana não sabia bem o que fazer com aquilo, pelo que o que sobrou do “duce” aguardou dez anos em armazém até finalmente regressar à casa de partida para terminar na citada cripta, com uma entrada discreta, uma urna de mármore, um busto e uma decoração com os feixes de vime romanos: os “fasci”.

Em todo o caso, à superfície da cidade que o viu nascer, não há cá “vias” ou “piazzas” Mussolini. Curiosamente, a tal Varano Costa Nuova onde ficam casa e cripta entronca com ironia numa rua Giacomo Matteoti, deputado socialista italiano que denunciou no parlamento, com provas, a violência fascista que originou a falsificação dos resultados das eleições de Abril de 1924, tendo por isso sido assassinado em Roma nesse mesmo ano. Ainda mais ironicamente, segue para a Via Mazzini, republicano e revolucionário, membro da Carbonária.


Francisco Franco nasceu na Galiza, em Ferrol, na rua Maria. Em Espanha ainda se pode percorrer uma ou outra artéria com o nome do caudilho, como por exemplo na conhecidíssima aldeia de Tapia de Casariego – descubram-na no Google Earth– ou na igualmente célebre Zorita de los Canes, seja lá onde isso ficar. Mas não em grandes (e mesmo pequenas) cidades e certamente não na terra do próprio Franco.


Em Portugal, para variar, há várias avenidas homenageando o ditador cá do burgo e Santa Comba Dão, onde o homem viu o dia, denomina orgulhosamente em sua memória o pequeno rectângulo a que chama praça central da vila: largo Oliveira Salazar. Mais: o autarca local, eleito por um partido que até tem a palavra “democrata” no nome, aproveita o dia vinte e cinco de Abril para inaugurar uns trabalhos de cantaria a que chama obras de remodelação da praça. A nova placa com o nome do largo, em azulejo de finíssimo gosto, apresenta eufemisticamente Salazar como professor universitário e estadista, coisas mais polidas e suaves do que aquilo que ele realmente foi.

Na televisão, esse presidente da Câmara afirma que inaugurar a mega-obra no dia em que se celebra a queda do anterior regime não passa de uma coincidência e diz que não percebe a polémica. Enterrando-se ainda mais, recomenda a quem o critica: “O passado é passado. Exorcizem os fantasmas que têm na cabeça.”

Há três tipos de políticos que eu não aprecio: os cínicos, os idiotas e os idiotas cínicos. O presidente de Santa Comba candidata-se com alarde a esta última categoria. Ainda assim talvez alemães e austríacos, italianos e espanhóis lhe consigam explicar porque é que as democracias não dão a ruas ou pracetas nomes de ditadores fascistas.


Recordo-me de uma vez, teria eu dezanove anos, em que recebi em Lisboa uns holandeses que conhecera no “inter-rail”. Levei-os a passear à Baixa e o meu pai deu-nos boleia. Ao passar no Marquês de Pombal, os meus amigos, vendo o monumento enorme, perguntaram de quem se tratava. O meu pai, provavelmente mais sensível ao martelo que quebrou os ossos do duque de Aveiro do que à obra de reconstrução posterior ao terramoto, respondeu: “He was a dictator. In Portugal, we always worship our dictators.”

“We still do, old man. We still do.”

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