domingo, abril 19, 2009

O guia áspero da boa música

O meu avô materno foi músico de província. Tocou, antes da segunda guerra, na orquestra de um paquete que fazia a ligação às colónias. Depois, dava aulas particulares, por vezes pagas em géneros alimentícios, por vezes não pagas de todo. Dele herdámos inúmeros instrumentos e, só no caso do meu irmão, algum talento. Quanto a mim, diagnosticou-me ele próprio uma grande falta de ouvido. Talvez por isso, safei-me a uma educação formal em música. Não toco, não sei ler partituras e canto quase tão mal como o João Pedro Pais.


Tão ignaro estatuto não me impediu de gostar de música e de nela investir tempo e dinheiro. Possuo uma boa colecção que álbuns que continuo a ampliar, comprando cêdês. Sim, porque eu compro, para desespero dos meus filhos que não param de me lembrar o desperdício que é, agora que está tudo na Internet. Para eles, aquele meu hábito de dedilhar nas prateleiras da FNAC e pagar pela música que vou ouvir é mais um sinal da minha caducidade, a juntar ao facto de usar acentos nas mensagens de telemóvel e de cortar o cabelo num sítio onde se fuma e lê o Diário de Notícias, pelos mãos de um velhote chamado Nogueira, com ar de gajo que é gajo.


A base da minha discoteca é de “pop” e “rock”, o estilo que eu ouvia quando a música serviu de pano de fundo para momentos importantes da minha vida. Nessa altura, gostava dos êxitos, do que animava as pistas, mas também do que aparecia mais lateralmente. Ouvia e ouço com gosto Frank Zappa, Ian Dury, Roxy Music ainda com o Brian Eno, Amon Düul II, Talking Heads, Iggy Pop, Focus, Propaganda, para lembrar alguns que não amarinhavam propriamente pelas tabelas de vendas acima.


Com o tempo, fui alargando o objecto da minha curiosidade, adoptando como mote o belo verso de Fernando Pessoa: sê plural como o universo. Comecei a pescar noutras águas. Comprava por recomendação, por reputação, por gostar da capa. Hoje, tenho bem representados o “jazz” e a “chanson”, “blues” e “motown”, a música dita erudita, de várias épocas, música portuguesa, do fado aos Wraygunn, africana e sul-americana, “house” e “chill” e outras coisas, para além das novas gerações do “pop/rock”. Vou-me divertindo e surpreendendo. De vez em quando, deleito-me com grandes achados. Lembro-me, nessas alturas, das palavras de Ry Cooder no Buena Vista Social Club: que procurar música é como o trabalho do arqueólogo – mexe-se em muito cascalho até encontrar um tesouro.


Ao princípio, ainda tentava partilhar as minhas descobertas com os amigos, mas percebi que estava a ser um chato quando, tendo dado boleia a uma amiga e posto a tocar uma colectânea de intérpretes do Mali e da Guiné, que eu prezava particularmente, ela suspirou, ao aproximarmo-nos do nosso destino: “Porra! Estava a ver que não chegávamos. Que trampa de música!”. Acabei por desistir. Ainda assim, a reputação ficou e se hoje ameaçar escolher a música, dizem logo:


- Lá vem o gajo com “disco sound” argelino!


A tal colectânea que tanto desespero provocou na minha amiga era um “Rough Guide”. A Rough Guide edita guias de viagem, mas começou já há uns anos a publicar excelentes compilações temáticas de “world music”, complementadas com imagens e informações sobre os países em questão. Possuo vários destes “rough guide”, que me têm ajudado a descobrir muito coisa boa que nunca passaria na Rádio Renascença.


Vai daí, deu-me uma inspiração: porque não criar, aqui no Mataspeak, os meus próprios “rough guides”, os meus guias ásperos, em que divulgasse, por estilos ou por temas ou por quaisquer outras similitudes, o que mais aprecio na minha discoteca? Sempre dava para mais uns “posts” e quem não gostasse punha na borda do prato. E quem quisesse poderia partir à descoberta.


É o que começarei a fazer muito em breve, sempre com o título “o guia áspero do/da…”, agora que está publicada esta explicação.

4 comentários:

PW$$$ disse...

(versos soltos)

Será que esse tal de Nogueira,
é o culpado do teu problema de cabeleira?

E soubera eu que irias ser DJ,
tinha-te MESMO trazido um cêdê...

Aguardo, curioso, pela tua escolha musical,
Seja pop, clássica ou tribal,

E confio que aguentarás, estóico,
As piadas sobre o teu esforço heróico...

;-)

Abçs,

PW

Cristina Rodo disse...

Prontes... é desta que deixo de cá vir... Dassss!

NunoF disse...

Carlos, venha o Salif Keita que estarei cá para ouvir (primeiro) e depois dizer se gosto ou não :-)

E não ligues aos filisteus dos anos 80 :-)

Unknown disse...

Até acho muito boa ideia!
Fico à espera. Agora que me tornei tua fiel seguidora (LOL) pode ser que não me esqueça de vir cá ver...