Corre aí uma moda, nesses ajuntamentos de doutores que decidem, soberbos, sobre a vida alheia, de mandar trabalhar paralíticos e ceguinhos, coxos e doentes terminais. Não vá o erário público ficar lesado. Quando não se controlam os zelotas, costuma infelizmente dar nisto. Consta até que decidiram cruzar as bases de dados da Segurança Social com a das Finanças, para ver se descobrem a morada de um tal Lázaro, que dizem que morreu mas que afinal parece que não e que até se levantou mas não se apresentou ao trabalho. Mais um simulador, com certeza.
Como o assunto envolvia médicos e seus disparates, a Ordem dos ditos e o seu rubicundo e reboludo bastonário preferiram não se meter. Depois de anos a ignorar quando os clínicos mandavam pessoal para o maneta, fecha agora os olhos quando mandam manetas para a secção de pessoal, apresentar-se ao serviço. Julgava eu que o interesse para a sociedade das ordens profissionais seria o de praticarem alguma forma de auto-regulação. Devo estar enganado. O propósito da Ordem dos Médicos será com certeza algum. Talvez publiquem uma revista, a quatro cores, ou organizem torneios de “bridge”. Coisas úteis.
Mas voltando ao caso concreto, devo dizer que tenho simpatia por este ministro. Parece-me do género de tipo para quem dois vírgula nove é diferente de três vírgula um e este último é certamente mais do que três. Género algo quadradão, reconheço, que não serve para animar um festival de “rock” de verão, mas que convém para a pasta das finanças. E que infelizmente não possuíam alguns dos seus antecessores, mais elucubrantes e por vezes esquecidos das lições liceais sobre relações de ordem no conjunto dos reais.
Acho também que, nesta situação concreta, o ministro, fosse pelas boas ou pelas más razões, esteve excelente. Li críticas que lhe foram feitas, que diziam que ao contrariar uma decisão médica por um acto administrativo, o ministro tinha inaugurado um perigoso precedente. Discordo totalmente. Quer pela vertente médica, quer pela vertente administrativa.

Por outro lado, mesmo que a regra geral fosse não desautorizar juntas médicas, ainda bem que o ministro pensa pela sua cabeça e quebra as regras quando acha que elas não estão a cumprir a função para que foram desenhadas. Apesar da palavra “ministru”, em latim, significar “criado”, aquele que cumpre ordens, eu espero dos ministros que, entre a justiça e o manual de procedimentos, escolham a justiça. Que nos casos-limite, decidam em função do que está certo e não do que está escrito. E se alguém se sentir lesado, existem parlamentos, tribunais, eleições e todos os “checks and balances” de um regime democrático para impedir decisões abusivas, e que hão-de funcionar se tal for necessário.
1 comentário:
suspeito que vais publicar um follow-up deste artigo, dada a recente soberba estúpida da Ordem dos Médicos ao recusar mudar o código deontológico dos médicos para estar de acordo com as alterações à Lei.
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