Todos os dias, este homem passava numa tabacaria antes do trabalho para comprar o diário madrileno ABC. O que é normal, porque o ABC pensava como este meu amigo: conservador, católico, monárquico, pêpista, anti-socialista, anti-regionalista e até anti-barcelonista nas páginas de futebol. Muitas vezes, passei no seu gabinete e folheei aquele grosso jornal, gordo de uma centena de folhas, pesado de inúmeros artigos de opinião.
Certo dia, o ABC do meu amigo tinha por primeira página, de alto a baixo, a fotografia de um homem velho, de melena branca. O título era “morreu Alberti”. Eu não sabia então quem era Rafael Alberti. Foi um dos grandes poetas espanhóis do século XX, e também jornalista republicano e militante comunista, exilado durante o franquismo.

Comparando com situações semelhantes em Portugal, onde maltratamos a nossa cultura e a nossa herança, onde deixamos passar em claro as efemérides que poderiam servir para festejar aqueles cujo génio é património de todos nós, onde somos suficientemente estúpidos ao ponto de dizer de fulano que até foi um bom poeta, mas que era comunista/homossexual/fascista/ou qualquer outro rótulo, a largura de perspectiva demonstrada pelo ABC surpreende. Dizia Oscar Wilde que não há livros morais ou imorais, só há livros bons e livros maus. No ABC e em Espanha, “lo tienen claro”, como eles lá dizem. Cá nem por isso.
Não consigo deixar de pensar que esta será uma das razões pelas quais a Espanha vai crescendo, enquanto nós vamos mirrando, alegretes e contentezitos.
Entretanto, li Alberti, o que muito agradeço ao ABC. Deixo aqui um poema para amostra, que poderia reflectir algumas das inquietações que sinto hoje em dia. Narra um género de preocupações e sentimentos que já não se usam e é por isso mesmo actualíssimo. Intitula-se “balada para los poetas andaluces de hoy”:
¿Qué cantan los poetas andaluces de ahora?
¿Qué miran los poetas andaluces de ahora?
¿Qué sienten los poetas andaluces de ahora?
Cantan con voz de hombre, ¿pero donde están los hombres?
Con ojos de hombre miran, ¿pero donde los hombres?
Con pecho de hombre sienten, ¿pero donde los hombres?
Cantan, y cuando cantan parece que están solos.
Miran, y cuando miran parece que están solos.
Sienten, y cuando sienten parecen que están solos.
¿Es que ya Andalucia se ha quedado sin nadie?
¿Es que acaso en los montes andaluces no hay nadie?
¿Qué en los mares y campos andaluces no hay nadie?
¿No habrá ya quien responda a la voz del poeta?
¿Quién mire al corazón sin muros del poeta?
¿Tantas cosas han muerto que no hay más que el poeta?
Cantad alto. Oireis que oyen otros oidos.
Mirad alto. Veréis que miran otros ojos.
Latid alto. Sabreis que palpita otra sangre.
No es más hondo el poeta en su oscuro subsuelo
encerrado. Su canto asciende a más profundo
cuando, abierto en el aire, ya es de todos los hombres.
2 comentários:
Ok, só apaguei o comentário anterior porque encontrei um Link melhor...
Bem me queria parecer que este poema me dizia qualquer coisa, quando o li veio-me a musica à cabeça...
Poetas Andaluses
Enviar um comentário