Um livro e uma recordação, ambos trazidos de Paris há uma semana, motivam este “post”.
O livro, uma bêdê de Jean-Michel Beuriot e Philippe Richelle, intitula-se “Maria” e é o terceiro volume da série “Amours Fragiles”. Série, cuja leitura recomendo, que nos conta a vida de alguns alemães no período que vai da ascensão do nazismo ao princípio da derrota na Guerra Mundial. Esta gente narra uma história um pouco diferente da versão maniqueísta dos manuais, em que os aliados são bonitos e bons e os alemães feios e todos uns assassinos nazis. Na realidade existiu uma resistência alemã contra o nazismo, e algumas das personagens de “Maria” travam essa luta desigual contra a máquina totalitária e contra a colaboração mesquinha de uma grande parte de um povo embrutecido pela propaganda.
O livro, uma bêdê de Jean-Michel Beuriot e Philippe Richelle, intitula-se “Maria” e é o terceiro volume da série “Amours Fragiles”. Série, cuja leitura recomendo, que nos conta a vida de alguns alemães no período que vai da ascensão do nazismo ao princípio da derrota na Guerra Mundial. Esta gente narra uma história um pouco diferente da versão maniqueísta dos manuais, em que os aliados são bonitos e bons e os alemães feios e todos uns assassinos nazis. Na realidade existiu uma resistência alemã contra o nazismo, e algumas das personagens de “Maria” travam essa luta desigual contra a máquina totalitária e contra a colaboração mesquinha de uma grande parte de um povo embrutecido pela propaganda.
Podemos dizer que os autores apresentam uma visão na essência pessimista, mas provavelmente ajuizada, sobre a natureza humana: somos tendencialmente e geralmente pusilânimes mas potencialmente e mais raramente sublimes. A capacidade de vergar a nossa tendência para materializar todo o nosso potencial tem que resultar de uma reflexão e de uma decisão nossas, que somos livres de efectuar ou não. Se o fizermos, perderemos algum conforto mas seremos provavelmente melhores pessoas. Àqueles que com grande sacrifício ou risco o fizeram, em momentos particularmente difíceis de perseguição ou guerra, damos o nome de “herói”.
A Maria do livro é uma heroína, sem capa e sem super-poderes. Mãe solteira, secretária de um consultório numa pequena cidade de província, faz aquilo que acha que é seu dever fazer, por amor da sua filha e do seu país. A Maria é uma personagem de ficção, mas representa com muita compostura muitas Marias e Mários que ao longo da História sacrificaram tudo pela liberdade e pela dignidade dos outros.
A recordação, essa, vem de um passeio de muitos quilómetros ao longo do Sena, numa sexta de sol e frio. Aqui e acolá, no chão, nas paredes, discretas, fustigadas da chuva e das solas de sapato, por vezes quase apagadas, plaquinhas relembram que “aqui morreu fulano, defendendo Paris dos normandos” ou que “aqui perdeu beltrano a vida lutando contra os alemães na libertação”. São centenas de pequenas memórias em chapa, lembrando outros tantos dramas e convidando quem passa a um segundo de reflexão. Lisboa, que tanto imita o mobiliário urbano de outras capitais, bem podia daqui tirar algum sentido.
Sou de uma geração que nasceu e vive num território cómodo, num tempo confortável. Gozamos de abundância, paz e liberdade. A fome e a guerra são realidades distantes, de presença meramente televisiva, que lamentamos mas que não nos tiram o sono. Raramente nos ocorre que esta vidinha boa foi construída sobre séculos de luta contra os perigos da existência e a prepotência dos senhores. Que, para que aqui chegássemos, sucessivas gerações construíram o nosso mundo e que homens e mulheres morreram para que a civilização avançasse mais depressa, ou não recuasse na direcção das trevas.
Que faríamos nós se nos víssemos na posição deles? Seríamos capazes de arriscar a vida por valores que achássemos certos? Que faria eu no lugar da Maria? Teria coragem para transportar panfletos contra Hitler, temendo a vigilância dos bufos da vizinhança e as torturas da Gestapo? Ou ficaria tranquilo no meu cantinho, e os outros que resolvessem a crise? Não sei.
Como não sei, acho que o mínimo que posso fazer, ou que podemos fazer, é não os esquecer. É lembrar o seu exemplo e mostrá-lo aos mais novos. É ter consciência de que a liberdade, a prosperidade, a nacionalidade ou qualquer outro bem imaterial de que beneficiamos não vêm à borla, e que podem de vez em quanto ter que ser defendidos. É perceber o enorme mérito que tiveram muitos dos nomes daquelas plaquinhas, gente pequena mas muitas vezes mais nobre de intenções que outra, a quem até erigiram estátuas. É estar, pelo menos durante alguns instantes, grato.
Se não o fizermos, de preguiça ou mesquinhez, roubaremos o sentido ao sentido que aquelas pessoas deram às suas vidas. E até às nossas. Dizia John Reed que há coisas grandes no futuro, pelas quais vale a pena viver e morrer. Nem todos podemos ser heróis. O heroísmo não é obrigatório. Mas o respeito e a gratidão são.
13 comentários:
Numa palavra:
Bravo.
Escrevi.
Re-escrevi.
Acabei por apagar tudo...
Not my day, aparentemente.
Comentarei mais tarde, ficas a saber que li.
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Agora que já estamos em "igualdade" de comentários, LOLOLOLOLOLOLOLOLOL, acho que sempre vou fazer o primeiro comentário que me veio à cabeça quando li o teu post e que acabei por reprimir:
" There is a thin line between heroism and stupidity"
; )
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