domingo, abril 01, 2012

Mistérios de Lisboa

Ele há coisas que não se percebem.

Na sexta-feira, só por acaso reparei, perdido no meio de um anúncio de página inteira da FNAC num caderno Ipsilon do Público que me preparava para mandar para o lixo, que os Wraygunn iriam tocar nessa noite na loja do Colombo. Mudei logo planos e fui.

Levei Mataspeaka e um dos Mataspeakenos e jantámos um bife na Portugália, convenientemente a nadar naquele molho amarelo da casa que faz a fortuna dos médicos cardiologistas. Como é hábito em Portugal, demoraram mais tempo a cozinhar a conta do que o bife e foi já a morder as canelas às dez e trinta que me acerquei em passo apressado da FNAC, temendo deparar-me com magote e tumulto à entrada. Para minha surpresa, nada disso. No pequeno auditório que fica no meio da loja, os instrumentos esperavam já, reluzentes, bem como umas filas de cadeiras vazias e algumas pessoas de pé, comentando o que aí vinha.

Deambulei pela loja, folheando livros, até que percebi por uns rufares de tarola e acordes soltos que o espectáculo ia começar. Regressei. As cadeiras estavam agora ocupadas e por trás dela um pequeno ajuntamento esticava o pescoço. Ainda assim menos de cem pessoas.

No palco, os Wraygunn apresentavam o seu novo álbum, L’Art Brut. E foi exactamente como o nome indica, tal e qual. Sem medo e sem concessões que não fossem à sua própria originalidade. A guitarra rockeira e desenfreada de Paulo Furtado debatendo com o coro dual e minimalista de Raquel Ralha e Selma Uamusse, sempre protegidos pela robusta sessão rítmica com Sérgio Cardoso no baixo, Pedro Pinto na bateria e João Doce na percussão, todos justificando a luta por um título que poucos lhes reconhecem de melhor banda rock portuguesa.

Ora para mim resulta coisa misteriosa que a melhor banda portuguesa do género toque à borla numa loja do Colombo e que não haja filas de gente até à rua, engarrafamentos de quilómetros na vizinhança, polícia de choque de tocaia, barracos da Sagres a toda à volta, bagunça e confusão. Se soubéssemos dar valor ao que temos, era o que acontecia. Infelizmente, vai antes tudo a correr pagar para ver os Xutos e Pontapés, de lencinho “motard” e papada flácida, tocar a sua música pimba electrificada. Seja! Mais fica.

Sem comentários: