quinta-feira, outubro 21, 2010

Histórias da crise

História 1


Carvalho da Silva da Intersindical e João Proença da UGT foram mancomunadamente entregar no Ministério do Trabalho, na londrina praça, o pré-aviso da segunda greve conjunta desde o vinte e cinco de Abril.

Convocaram as televisões e estas foram, diligentes. À porta, os dois sindicalistas declararam as habituais declarações. Carvalho da Silva antevia uma “boa greve”, com um sorriso de evento de quem antecipa um grande jogo de bola.


Eis senão quando surge uma velhota. Que manifestamente não gostava deles. Começou a invectivá-los, a mandá-los trabalhar, puxando galões de reformada após uma longa vida laboral. E logo diante das câmaras: que maçada! Ao princípio, os dois homens tentaram ignorá-la mas ela, para cão ignorado, ferrava bem a mandíbula. A polícia acudiu democraticamente, não fosse a anciã pôr em risco a sindical compostura. As câmaras viraram-se para a senhora e os dois homens. O caldo entornou e o tom empepinou.


A Carvalho da Silva e João Proença falta-lhes aquela sagacidade milenar das culturas africanas ou japonesa, nas quais um velho não se contradiz: ouve-se ou no limite atura-se com bonomia, que os anos e os cabelos brancos são para respeitar. A certo momento, Carvalho da Silva – como sói dizer-se – passou-se. Dirigindo-se à senhora, largou repetidamente:


- Quem é que a mandou cá?


De facto, a retórica estalinista é uma coisa notável, de uma homogeneidade perene e imaculada. Podem botar em cima doutoramentos em sociologia e gravatas de seda que na hora do aperto o sistema fechado, como lhe chamava Karl Popper, vem ao de cima. E neste sistema o povo não exprime o seu desagrado livremente: foi mandado como é próprio de quem obedece, manipulado como é próprio de quem não pensa, telecomandado por interesses com tempo e paciência para estas coisas.


Quando Carvalho da Silva finalmente foi embora, vieram as equipas dos serviços municipalizados e passaram a tarde a varrer do passeio as lascas do verniz.



História 2


Em 20 de Janeiro de 1961, John F. Kennedy proferiu o seu primeiro discurso como 35º presidente norte-americano: o mais jovem de sempre, com 43 anos, o primeiro irlandês, o único católico e o único, também, a deixar a marca presidencial no maior “sex symbol” do planeta da época coeva. Nessa alocução, consta que inspirado numa frase do poeta libanês Kahlil Gibran, Kennedy disse a célebre “Ask not what your country can do for you - ask what you can do for your country”.


Com certeza aflita com a crise que caiu em cima, a estação de rádio TSF anda a perguntar a toda a gente que vagamente dê ar de figura pública, com a voz de Kennedy em “jingle”, sobre o que é que podem fazer pelo país. Por acaso a frase de Kennedy não se referia a nenhuma acção relacionada com a economia. O contexto do discurso era o da Guerra Fria e a frase alude à defesa da liberdade.


Assim, por estes dias, ligo o rádio do carro e lá vêm os presidentes de uma empresa ou de uma associação agrícola, ou um vereador do Pinhal Interior, ou um promotor cultural de Cinfães, todos intentando tranquilizar-nos com o que têm em mente para ajudar Portugal e nos tirar deste mau passo em que nos achamos. Para minha grande surpresa, todos começam o seu minuto a afirmar que pensam continuar a fazer rigorosamente aquilo que têm feito até agora.


Pois. Mas não foi exactamente assim que aqui chegámos?



História 3


Hoje. No telejornal da TVI, Pedro Passos Coelho afirma à jornalista Constança Cunha e Sá quais as magnas razões que o levaram a escolher o caminho de arame e a alavancar a negociação do Orçamento de Estado. “En passant”, eu acho que ele foi totó e que se vai entalar (o que não me preocupa) e que corre o risco de nos entalar (o que já me inquieta um pouco mais), mas não é disto que quero falar agora.


A dado momento, a periodista, com a voz de um grave tabágico e aquela pose altiva de quem tem um Sá para lá no meio dos apelidos, começa:


- Mas para que os portugueses percebam…

- Os portugueses perceberam muito bem, respondeu Coelho.


De facto eu e todos os portugueses já tínhamos percebido muito bem porque, não possuindo embora as capacidades einsteinianas da Constança, não somos completamente imbecis. Fiquei por isso contente com a resposta de Passos, que me vingou de vezes sem conta em que tive que aturar esta, a Fátima Campos Ferreira, a Maria Elisa, a Manuela Moura Guedes, a Judite de Sousa e esse monte de gajas a quem malfadadamente pespegam um microfone nas mãos, a traduzirem-me para português “do povo” uma frase que se percebia à primeira. Bem hajas, ó Pedro. Só nesta, claro…



Moral das histórias


Moral? Bem, moral não têm, mas explicam muita coisa.


1 comentário:

Alex disse...

Sorrir ruidosamente das desgraças alheias é pecado, não é?
Pequei.