Lembro-me de ter passado o tempo, no pára-arranca de um IC qualquer, numa curiosa estatística. Contando os carros que deslizavam nervosos em sentido contrário para o ponto das nove, fui verificando quantos condutores de óculos fumados: sim, não, sim, sim, não, sim, sim, dez, dezasseis, trinta! Trinta e tal em quarenta de óculos escuros numa manhã chuvosa de Novembro.
Jovens comerciais de cabelo espetado em gel, esquálidas doutoras da contabilidade em apetrechos matinais, tias engelhadas no BMW do tio, tudo arvorava o olhar moscardo, mirando pela lente escura a queda do amarelo, com o nervo do carneiro que se atrasa no caminho para o matadouro.
O que levará tão grande percentagem de lisboetas a querer ver por lentes negras um dia já cinzento? Hipersensibilidade fotónica ocular? Mania que ficam com ar matador? Admiração exacerbada pelas personagens do Matrix? Sinal de reconhecimento e identificação entre burguesia suburbana? Não sei. Sei que tal fenómeno não pode ser inocente num país em que se marra com os cornos ao volante por dá cá aquela palha.
Jovens comerciais de cabelo espetado em gel, esquálidas doutoras da contabilidade em apetrechos matinais, tias engelhadas no BMW do tio, tudo arvorava o olhar moscardo, mirando pela lente escura a queda do amarelo, com o nervo do carneiro que se atrasa no caminho para o matadouro.
O que levará tão grande percentagem de lisboetas a querer ver por lentes negras um dia já cinzento? Hipersensibilidade fotónica ocular? Mania que ficam com ar matador? Admiração exacerbada pelas personagens do Matrix? Sinal de reconhecimento e identificação entre burguesia suburbana? Não sei. Sei que tal fenómeno não pode ser inocente num país em que se marra com os cornos ao volante por dá cá aquela palha.
Se estabelecermos a correlação estatística entre o uso das cangalhas pretas e os acidentes viários, veremos que a coisa joga. Possível cenário: o pessoal entra para o Corsa dezasseis válvulas, mete os pintosos óculos escuros, tudo se apaga, e aí vai ele num Ferrari 599 a curvar a parabólica de Monza a duzentos e setenta quilómetros por hora. Curva apertada à direita, batendo “in extremis” um Porsche de uma escuderia alemã, chicana, duas ultrapassagens, uma quase saída de estrada evitada no limite, com muita perícia, até embater no que julga ser o “aileron” traseiro de um concorrente atrasado mas que afinal é a caixa aberta de uma “pick-up” de uma empresa de construção civil, que ia levar umas sacas de cimento ali para uma obra no Murtal.
Enquanto os bombeiros o desencarceram, há-de tactear o banco do morto à procura dos óculos, único elo economicamente acessível a esse mundo de “glamour” automóvel, que lhe saltaram da penca com o embate e que convém não perder, a pensar já na próxima corrida.
Se não fossem as lunetas de sol, talvez a gente visse mais a estrada e menos a pista.
Recordando que Pedro o Grande iniciou a modernização da Rússia mandando os boiardos cortar as barbas e Kemal Ataturk trouxe a Turquia para a Europa obrigando os funcionários públicos a usar chapéu em vez de fez, também a nossa Prevenção Rodoviária Portuguesa deveria começar o combate à sinistralidade automóvel com uma medida fortemente simbólica. Proibição de conduzir de óculos escuros, que é para ver se abrem os olhos! E já!
3 comentários:
LOLOLOLOLOLOLOL
Este post deve ser uma indirecta involuntária (se é que isso quer dizer alguma coisa...) ao Nosso Senhor... LOLOLOLOLOLOL
Meu caro,
desde já parabéns pela excelente acção de marketing.
No teu próximo post, quer fales do tempo, da vida, do amor, das vacas, ou da apanha do gambozino em noite de lua cheia, uma foto como a que acompanha o teu texto atrai sempre mais atenções.
Quanto a proibir óculos escuros: vê-se que és um urbano (depressivo?) e não um suburbano da província. Havias de apanhar com o nascer do sol na cornadura todos os dias logo de manhã para perceber que, mesmo com óculos escuros, é só toques e acidentes.
Abraços.
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