Mataspeak andou mortiço durante 2013. Isto não é exactamente
ao quilo ou ao quilómetro, mas quinze textos mais quatro “posts” de fotografias
envergonham um bocado. E 2014 começou igual, com um Janeiro de bico calado.
Comecei vários ficheiros, onde arremessei ideias sem a força
suficiente para se transformarem em textos, como quando mandamos um seixo,
escolhido no cascalho da margem pela sua boa planura, a rodopiar contra a superfície de um lago e
ele se afunda à primeira com um som mole em vez de dar a meia dúzia de
ressaltos que esperávamos dele. Quando tal acontece tendemos a acusar o seixo,
por pouco hidrodinâmico, ou a água, por falta de densidade. Qualquer
especialista em mecânica dos fluidos, ou à falta deste qualquer criança, nos
dirão que a culpa é mas é da nossa falta de jeito no lançar.
Pois assim andei-me eu, a justificar-me. Os problemas do
trabalho, os atilhos com os filhos, a vontade de sono, a falta de tempo. Tudo retirava
inspiração, mas tudo era treta: não sofri nenhuma catástrofe, dormi quando
tinha que dormir e estraguei minutos preciosos em actividades de chacha. Nada
justifica portanto senão uma injustificável preguiça. Ou às vezes uma abrupta
sensação de vazio, de falta de sentido das coisas. Não sei se foram os
cinquenta anos que me atropelaram de repente, quando me dei conta que o
horizonte estava mais próximo e mais incerto, mas por momentos perguntei-me
porque estava aqui a escrever estas coisas. E nesses momentos gravei o ficheiro
e fui à vidinha.
Mas há pelo menos um sentido. Há por exemplo um revelado num
pequeno texto de Hemingway intitulado “Nada y pues nada”, um texto solto
publicado em edições mais recentes do “Paris é uma festa”. Hemingway relata um
diálogo que teve em Cuba com um jornalista chamado Evans, que partilhara com
ele muito passado, na guerra de Espanha e noutros sítios. Evans estava a fazer
a cobertura de umas corridas de cavalos, apesar de sofrer com um cancro do pâncreas
em fase terminal e já só se aguentar a muita morfina e de andar com um dreno a
expelir a maleita. Desse diálogo consta o seguinte:
“Evans: ...Mas tens que continuar porque escreves por todos
nós.
Hemingway: Quem são “todos nós”?
Evans: Não te faças difícil. Quero dizer nós dos primeiros
tempos e dos melhores momentos e dos maus momentos de Espanha. E depois este
outro e tudo desde então e o tempo de agora. Tens que lá pôr o engraçado e o
resto que só nós sabemos, que estivemos nalguns lugares estranhos em momentos
estranhos. Fá-lo por favor mesmo que nunca mais queiras pensar nessas coisas. E
tens que pôr lá também o agora. Eu estou tão ocupado com os cavalos que já não
sei o que é o agora. Só o meu agora.”
Mais à frente, quando vai a sair para o médico, Evans
insiste com Hemingway para ele não se esquecer da escrita e Hemingway responde a
Evans que sim na última linha do diálogo e confirma-nos a nós leitores, logo no parágrafo seguinte, repetindo que
não se esquecerá.
Ora aqui está um sentido plausível para escrever: como
obrigação para com os outros, os que não tiveram oportunidade ou os que já não
podem ou os que merecem umas linhas para que o agora deles não se perca. E se
pelo menos um sentido existe, é muito possível que haja mais: escrever por
respeito aos que usam do seu tempo, do seu agora, para nos ler; ou então por
nós, para nos dar um sentido aos dias, ao nosso agora; ou simplesmente porque
sim, porque de facto porque não?
Vou pois fazer como Hemingway e atravessar-me. Prometo não
me esquecer da escrita, doravante. Não que eu tenha pretensões a Hemingway,
como não tenho ambições de Maradona só porque jogo umas futeboladas. Acontece
que nós, os pequeninos, acabamos por procurar lições nos grandes e imitamos, à
falta de mais. Hemingway pegava no seu dia-a-dia e no dos outros e
transformava-o em eternidade, muitas vezes à força de murros. Eu alinho umas linhas, sem
mais gasganete do que alinhá-las, o que já constitui arrogância suficiente da
minha parte.
Por isso, “nada y pues nada”.
1 comentário:
Que bom voltares!
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