Fui repreendido pela crítica especializada por o tema do meu
anterior “post” não se coadunar com o alto coturno intelectual que – hum, hum –
caracteriza esta referência do ciberespaço que é o Mataspeak. Não concordo com
o remoque: discorrer sobre as francesinhas do Porto é o mesmo que fazê-lo sobre
um soneto de Shakespeare, a “Ronda” do Rembrandt, um drible do Messi ou
qualquer outro píncaro das capacidades humanas. Mas para satisfazer tão
exigente público, iniciei de imediato e de empreitada um texto sobre a
influência da visão aristotélica no pensamento da classe política portuguesa.
Provavelmente por não possuir formação em ciência política, não fui capaz de
encontrar essa influência, nem qualquer outra, nem mesmo o próprio pensamento,
pelo que desisti. Sai por isso mais um “post” sobre um tema levezinho.
À leitora que esperava mais substrato e que o manifestou aqui
num comentário, recomendo que espere que o meu cérebro volte de férias, visto que
não acompanhou o corpo no regresso, ou então que leia Kierkegaard ou, se fôr mesmo muito exigente, o preâmbulo
de qualquer portaria que venha no Diário da República.
Li este Verão uma excelente novela de Erri de Luca, “Três
cavalos”. Nela, o personagem principal comenta que a vida de um homem dura tanto
quanto as vidas de três cavalos e que ele estava a começar o terceiro, e
último, cavalo. E assim estou eu, a um mês do meio século. Este facto, que
aceito com tranquilidade, levantou à minha volta algumas excitações de família e
amigos. Parece que tenho que fazer uma grande festa porque cinquenta anos só se
fazem uma vez. É verdade, a mesma verdade que aos quarenta e nove e aos
quarenta e oito. O ser humano tem uma certa fussanga por números redondos que
sinceramente não partilho. Surpreendem-me às vezes os gasolineiros naquelas bombas
onda ainda os há, que passam um minuto a dar micro-bombadas para tentar fazer
chegar a contagem no mostrador aos 58,00 litros, carregando quase a medo no
manípulo como se essa suave discrição tornasse o combustível um fluído mais
compressível. Olham ansiosos para os dígitos a ver se batem no valor certo e
exibem um esgar de dor quando lhes foge a mão e passam para os 58,01. E depois
emitem o recibo num computador que, tal como eu, tanto se lhe dá como se lhe
deu o número que lá tem dentro. Para mim, cinquenta é um número como qualquer
outro na recta dos reais, mas a malta não desarma com a história da festa. Suspeito
que está a ver se come, bebe e folga à minha conta, e por isso vai
discutindo à minha revelia sítios, menus e aparelhagens de som.
Enquanto não fazem a festa, mulher e filhos vão-se
inquietando com o meu visual e acham que eu não devia andar nestes dias de caloraça
de calças mas sim com uns calções pelo joelho que agora vão de moda. Os
argumentos são que fico mais fresco e pareço mais jovem e chegaram a
oferecer-me um par que eu recambiei de imediato de volta para a loja. Tal como
um “aileron” num Seat Ibiza não faz dele um Ferrari, não são uns calções que
vão fazer de mim o rapaz que eu já fui. E depois “ome qu’é ome” não veste uma
coisa daquelas, por muito fresco que seja ou talvez justamente por ser fresco
demais.
Entretanto, esta polémica caseira levou-me a reparar que de
facto muitos tipos da minha idade andam com os ditos calções ao fim-de-semana
ou em férias. O quadro geral é este, de baixo para cima: sapato de vela sem
meias, perna peluda, o referido calção, polo de marca distendido no estômago
pela pança avantajada, colarinhos ladeando a papada, cãs nas têmporas ou em
alternativa careca no cocuruto. Apocalíptico, não vos parece? Se isto é um jovem, eu sou
um feto. Ainda por cima, como por regra o pinto-calçudo arrasta nas suas
imediações uma dondoca atiazada, sobra um arzinho pacóvio e o inevitável cheiro a
Cascais ao domingo. Quando o evangelista João quis representar a Besta no Livro
do Apocalipse, descreveu-a cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres. Se João
ainda vivesse e passeasse por um centro comercial, descreveria as bestas com
bermudas e mocassinos sem meias, com muito pouca cabeça e não sei bem quantos
chifres.
Houve outra moda de Verão com que me deparei este Agosto, em
dois casamentos que beneficiaram da minha presença, e que me fez rir bastante.
Como seria normal, os noivos eram jovens, dos verdadeiros, na casa dos vinte, e
convidaram amigas, muitas, como seria expectável da mesma idade. Pude observar
com atenção, enquanto não levei uma violenta reprimenda da minha cara-metade,
que a “toilette” escolhida por praticamente todas para estes dias de canícula consistia
num vestido ligeiro, de saia muito curta, vide curtíssima, e nuns sapatos com
saltos que podiam chegar aos vinte centímetros e solas de meio-quilo de
madeira. Calculo que seja uma tortura andar empoleirado naquilo, embora de
facto dê altura e elegância. Qualquer taco-de-pia fica que nem o Michael Jordan.
Mas o sofrimento necessário a ser elegante é bem notório: à mínima inclinação
do chão, especialmente se empedrado, tanto donzelas como donas começavam a tremelicar
dos canivetes, bamboleando em grupo como pinguins em migração (mas bastante
mais bonitas de se ver), procurando em desespero um corrimão ou um braço
galante que evitasse a queda eminente.
Os “designers” de calçado pertencem provavelmente ao
conjunto dos mais acirrados inimigos das mulheres, juntamente com os talibãs
afegãos e os assassinos em série das séries da Fox. Só um ódio patológico
explica certas modas que procuram o feitio que mais cruelmente aperte as
falangetas, os materiais que com mais certeza derrapem na calçada, as alturas
de salto que mais emperiquitem o andar. Desta vez beberam a sua funesta
inspiração nos coturnos com que os actores de tragédia elevavam os personagens
de maior nobreza, na Grécia antiga, ou então nas monumentais sapatolas dos Kiss
e dos Slade, grupos de uma parolice excelente de tão extrema, que animaram as minhas primeiras
festas de garagem, nos idos de 1973, a menos de metade do meu primeiro cavalo.
2 comentários:
Sabes o que “a leitora” te diz, sabes?!
Para começar que espera que o teu cérebro volte mesmo, nos tempos que correm nunca se sabe, não vá decidir ficar seja lá onde for que está…
Depois que, já que Vexa não percebe nada do gozo de meter gasolina com conta certa (colocando menos 0.50€ por causa da comissão do cartão), se calhar os seu amigos deviam era limitar-se a enviar-lhe um SMS com votos de “parabéns e essas cenas”.
Finalmente, diz-te que estás cheio de sorte porque NÃO VAI comentar a cena dos calções… tinha resmas, paletes, de coisas para dizer sobre o assunto mas vai ficar caladinha porque é uma querida. Agradece por favor…
A verdade é que em algum momento nós temos a capacidade de escrever coisas como você está, em algum momento, ter a capacidade de ser calmo e ler talvez comer algo rico em restaurantes em sao paulo
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