domingo, setembro 08, 2013

Férias II – Modas de Verão



Fui repreendido pela crítica especializada por o tema do meu anterior “post” não se coadunar com o alto coturno intelectual que – hum, hum – caracteriza esta referência do ciberespaço que é o Mataspeak. Não concordo com o remoque: discorrer sobre as francesinhas do Porto é o mesmo que fazê-lo sobre um soneto de Shakespeare, a “Ronda” do Rembrandt, um drible do Messi ou qualquer outro píncaro das capacidades humanas. Mas para satisfazer tão exigente público, iniciei de imediato e de empreitada um texto sobre a influência da visão aristotélica no pensamento da classe política portuguesa. Provavelmente por não possuir formação em ciência política, não fui capaz de encontrar essa influência, nem qualquer outra, nem mesmo o próprio pensamento, pelo que desisti. Sai por isso mais um “post” sobre um tema levezinho.

À leitora que esperava mais substrato e que o manifestou aqui num comentário, recomendo que espere que o meu cérebro volte de férias, visto que não acompanhou o corpo no regresso, ou então que leia Kierkegaard  ou, se fôr mesmo muito exigente, o preâmbulo de qualquer portaria que venha no Diário da República.

Li este Verão uma excelente novela de Erri de Luca, “Três cavalos”. Nela, o personagem principal comenta que a vida de um homem dura tanto quanto as vidas de três cavalos e que ele estava a começar o terceiro, e último, cavalo. E assim estou eu, a um mês do meio século. Este facto, que aceito com tranquilidade, levantou à minha volta algumas excitações de família e amigos. Parece que tenho que fazer uma grande festa porque cinquenta anos só se fazem uma vez. É verdade, a mesma verdade que aos quarenta e nove e aos quarenta e oito. O ser humano tem uma certa fussanga por números redondos que sinceramente não partilho. Surpreendem-me às vezes os gasolineiros naquelas bombas onda ainda os há, que passam um minuto a dar micro-bombadas para tentar fazer chegar a contagem no mostrador aos 58,00 litros, carregando quase a medo no manípulo como se essa suave discrição tornasse o combustível um fluído mais compressível. Olham ansiosos para os dígitos a ver se batem no valor certo e exibem um esgar de dor quando lhes foge a mão e passam para os 58,01. E depois emitem o recibo num computador que, tal como eu, tanto se lhe dá como se lhe deu o número que lá tem dentro. Para mim, cinquenta é um número como qualquer outro na recta dos reais, mas a malta não desarma com a história da festa. Suspeito que está a ver se come, bebe e folga à minha conta, e por isso vai discutindo à minha revelia sítios, menus e aparelhagens de som.

Enquanto não fazem a festa, mulher e filhos vão-se inquietando com o meu visual e acham que eu não devia andar nestes dias de caloraça de calças mas sim com uns calções pelo joelho que agora vão de moda. Os argumentos são que fico mais fresco e pareço mais jovem e chegaram a oferecer-me um par que eu recambiei de imediato de volta para a loja. Tal como um “aileron” num Seat Ibiza não faz dele um Ferrari, não são uns calções que vão fazer de mim o rapaz que eu já fui. E depois “ome qu’é ome” não veste uma coisa daquelas, por muito fresco que seja ou talvez justamente por ser fresco demais.

Entretanto, esta polémica caseira levou-me a reparar que de facto muitos tipos da minha idade andam com os ditos calções ao fim-de-semana ou em férias. O quadro geral é este, de baixo para cima: sapato de vela sem meias, perna peluda, o referido calção, polo de marca distendido no estômago pela pança avantajada, colarinhos ladeando a papada, cãs nas têmporas ou em alternativa careca no cocuruto. Apocalíptico, não vos parece? Se isto é um jovem, eu sou um feto. Ainda por cima, como por regra o pinto-calçudo arrasta nas suas imediações uma dondoca atiazada, sobra um arzinho pacóvio e o inevitável cheiro a Cascais ao domingo. Quando o evangelista João quis representar a Besta no Livro do Apocalipse, descreveu-a cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres. Se João ainda vivesse e passeasse por um centro comercial, descreveria as bestas com bermudas e mocassinos sem meias, com muito pouca cabeça e não sei bem quantos chifres.

Houve outra moda de Verão com que me deparei este Agosto, em dois casamentos que beneficiaram da minha presença, e que me fez rir bastante. Como seria normal, os noivos eram jovens, dos verdadeiros, na casa dos vinte, e convidaram amigas, muitas, como seria expectável da mesma idade. Pude observar com atenção, enquanto não levei uma violenta reprimenda da minha cara-metade, que a “toilette” escolhida por praticamente todas para estes dias de canícula consistia num vestido ligeiro, de saia muito curta, vide curtíssima, e nuns sapatos com saltos que podiam chegar aos vinte centímetros e solas de meio-quilo de madeira. Calculo que seja uma tortura andar empoleirado naquilo, embora de facto dê altura e elegância. Qualquer taco-de-pia fica que nem o Michael Jordan. Mas o sofrimento necessário a ser elegante é bem notório: à mínima inclinação do chão, especialmente se empedrado, tanto donzelas como donas começavam a tremelicar dos canivetes, bamboleando em grupo como pinguins em migração (mas bastante mais bonitas de se ver), procurando em desespero um corrimão ou um braço galante que evitasse a queda eminente.

Os “designers” de calçado pertencem provavelmente ao conjunto dos mais acirrados inimigos das mulheres, juntamente com os talibãs afegãos e os assassinos em série das séries da Fox. Só um ódio patológico explica certas modas que procuram o feitio que mais cruelmente aperte as falangetas, os materiais que com mais certeza derrapem na calçada, as alturas de salto que mais emperiquitem o andar. Desta vez beberam a sua funesta inspiração nos coturnos com que os actores de tragédia elevavam os personagens de maior nobreza, na Grécia antiga, ou então nas monumentais sapatolas dos Kiss e dos Slade, grupos de uma parolice excelente de tão extrema, que animaram as minhas primeiras festas de garagem, nos idos de 1973, a menos de metade do meu primeiro cavalo.
  
                         

2 comentários:

Cristina Rodo disse...


Sabes o que “a leitora” te diz, sabes?!
Para começar que espera que o teu cérebro volte mesmo, nos tempos que correm nunca se sabe, não vá decidir ficar seja lá onde for que está…
Depois que, já que Vexa não percebe nada do gozo de meter gasolina com conta certa (colocando menos 0.50€ por causa da comissão do cartão), se calhar os seu amigos deviam era limitar-se a enviar-lhe um SMS com votos de “parabéns e essas cenas”.
Finalmente, diz-te que estás cheio de sorte porque NÃO VAI comentar a cena dos calções… tinha resmas, paletes, de coisas para dizer sobre o assunto mas vai ficar caladinha porque é uma querida. Agradece por favor…

Sara disse...

A verdade é que em algum momento nós temos a capacidade de escrever coisas como você está, em algum momento, ter a capacidade de ser calmo e ler talvez comer algo rico em restaurantes em sao paulo