sábado, junho 25, 2011

Exposição fotográfica (XXXV)

Vila Nova da Barquinha, 17 de Junho









Com fim na Rua Barral Filipe

sexta-feira, junho 24, 2011

Aprender a ler

Descobri esta semana, na minha leitura vezeira de Pedro Lomba no Público, que Camilo Castelo Branco desapareceu do currículo do ensino secundário. Lomba parte deste mote para desenvolver uma interessante crónica sobre o ensino ou melhor o desensino da literatura. Coisa sobre o qual o próprio tem dúvidas fundamentais: refere ele que não tem a certeza se o gosto pela literatura se pode ensinar. Pois eu quase que tenho que pode. Nisto discordo dele.

Mas já concordo com ele que pelos serviços do ministério anda gente em demasia a cerebrar sobre temas bizarros, como seja a melhor maneira de ensinar a crianças de treze ou catorze anos a reconhecer nos Lusíadas metalepses e metáteses. Ora as metáteses estão para o desenvolvimento do gosto pela literatura como as metástases estão para a promoção da nossa saúde. Não me parece que tão erudito exercício induza nas mentes tenras o amor pela leitura. Será como querer promover o gosto pela culinária com cursos teóricos de química orgânica avançada.


(Aparte antes de prosseguir: para os que estão neste momentos extasiados com a minha sapiência, informo que há truque. Eu não sabia de cor, nem de outra forma qualquer, o significado de metalepse ou metátese. Fui ver a um dicionário de figuras de estilo que consta de uma edição dos Lusíadas que há cá por casa. Tem lá termos espectacularmente ininteligíveis, óptimos para tentar levar à loucura os adversários num jogo de “Pictionary”. Por exemplo, sabem o que é uma hendiádis ou um - ou será uma? - paragoge? E um polissíndeto ou uma tmese? Não? Bando de analfabetos! Mas um zeugma devem saber... Também não? Como é que conseguem ler um livro nessa vil escuridão?)

Quanda não está entretida a complicar, a mesma ministerial gente, apiedada perante as dificuldades daqueles que paternalisticamente vê como menos capazes, cai no outro extremo e facilita. Por exemplo, o programa de 10º ano de Português preocupa-se com que jovens de quinze anos saibam “reconhecer diversos tipos de texto” como sejam “textos informativos diversos e os seguintes dos domínios transaccional e educativo: artigos científicos e técnicos; verbetes de dicionários e enciclopédias; declaração; requerimento; contrato; relatório”. Ou então “textos dos media”, que podem ser até radiofónicos. E não aponta nenhuma leitura integral de um livro como obrigatória (só no 11º aparecem o Frei Luís de Sousa e um Eça à escolha, que por algum azar até pode calhar ser “O mandarim”).

Ora eu com essa saudosa idade andava no Liceu Francês a levar antiquadamente com Racine e Zola na tromba, para ler na íntegra, e nunca tive assim a oportunidade fresca de analisar verbetes de dicionários para os poder reconhecer quando os visse. Por razão misteriosa, apesar de não ter beneficiado do modernaço programa do 10º em língua pátria, consigo preencher um requerimento, utilizar um dicionário e até ouvir as notícias na TSF sem me baralhar todo e ficar a pensar que o entendimento a que chegaram Portas e Passos Coelho é sentimental e não político. Devo ser um autodidacta.

Quem arquitecta estes programas comporta-se como um condutor que só andasse ora pela berma esquerda ora pela berma direita, com o carro em zigue-zagues bruscos, nunca conseguindo assentar sossegado com os pneus no raio do alcatrão. O resultado de anos desta condução inebriada são os alunos que apanho no quinto ano do Técnico, à beira do mercado de trabalho, que “axam que puderiam usar uma equacão para calcular a inflaxão”. Já hoje uma larga maioria, infelizmente.

Mas desensinar é fácil, já sabemos. E ensinar? Ensinar a gostar de ler?

O sistema que apanhei no Liceu Francês parece-me a este propósito ter algumas virtudes, desde já com perdão pela pinta “no meu tempo é que era” desta reflexão.

Para começar, esse sistema mete livros. Do primeiro ao último ano do liceu, em cada Outubro, quase uma dezena. Sai-se no final da escolaridade com uma meia centena de títulos, o que acaba por constituir um razoável princípio de uma biblioteca pessoal. A escolha varia ao longo do tempo, mas mistura clássicos, literatura mais ligeira, teatro, poesia, originais e traduções. Fui ver a estante do meu mais novo, que está a meio percurso. Tem lá Molière, Voltaire, Balzac e Flaubert, mas também Pagnol. E tem Orwell, Golding e Primo Levi. E Esopo e a Odisseia e contos da mitologia grega. E teatro de Anouilh e poesia moderna. Para equilibrar, Agatha Christie, o Petit Nicolas de Sempé e Goscinny ou o Diário de Adrian Mole.

No quarto do mais velho, que já acabou, há uma prateleira inteira. Para além de alguns dos anteriores encontro entre outros Montaigne e Ronsard, Maupassant e Baudelaire, Le Clézio e Camus, Sófocles, Shakespeare e Puchkine, Racine e Ionesco, Sepúlveda e o planeta dos macacos. E até a Bíblia dada enquanto obra literária.

A isto chama-se diversidade e parece-me ser a lição número um. A literatura é uma janela aberta para um mundo variado e variável. Claro que numa cadeira de literatura francesa há que dar os grandes nomes, que construiram e dão brilho à língua deles. De igual modo, em Português deve-se ler uma boa selecção entre Eça, Camilo, Camões, Sá de Miranda, Pessoa, Herculano, Torga, Cardoso Pires, Nemésio, Miguéis ou Saramago ou Lobo Antunes, e com liberalidade. Mas há espaço para muito mais. Porque não boas traduções de boas obras estrangeiras ou escrita nacional mais contemporânea ou mais ligeira? Mais vale um Hamlet em português ou um romance do Rodrigues dos Santos do que qualquer “texto dos media” ou o que é que essa treta seja.


Depois, estes livros devem-se ler integralmente. Esta será a lição número dois. Claro que nem todos os alunos o fazem e claro que na sala de aula a análise tem que se focar em passagens seleccionadas. Mas os livros são como os paus, têm duas pontas, um princípio e um fim e o resto que está no meio. Um excerto pode quanto muito funcionar como um “teaser”, mas não dá a medida da grandeza de uma obra nem permite o sentimento de preenchimento e partilha que podemos ter quando viramos a última página de um bom livro. Seria como esperar que o “trailer” de um grande filme nos fizesse pensar, rir ou chorar do mesmo modo que as duas horas de visionamento em frente ao ecrã. Só aprendemos a gostar de ler lendo, e não brincando ao “toca e foge” com os livros.

E, finalmente, a terceira lição.

Tive no último ano do liceu um professor de francês que me ensinou como se lia um livro ou um poema: fazendo uso da nossa liberdade. Com ele descobri que uma obra não é uma, são milhares ou milhões. Há a que o autor escreveu e há todas aquelas que os leitores lêem e todas são igualmente verdadeiras e importantes. Com ele aprendi a ler com os meus olhos, com a minha cabeça e com os meus sentimentos. Era um homem calmo, reservado, com um ar quase severo na primeira abordagem, sempre de fato escuro numa escola que primava pela informalidade. Não me lembro de o ver a rir, apenas de sorrir contidamente diante de uma situação cómica. Perguntava-me, preparando-nos para o exame oral final, sobre uma palavra que um poeta usara num verso:

- Porque pensas que o autor escolheu exactamente esta palavra e não outra?
- ...
- Dá a tua opinião.
- Talvez porque “isto”.

- Então se achas “isto”, no dia da oral, di-lo.

- E se o examinador não concordar?
- Se o examinador não concordar diz-lhe que fui eu que te o ensinei.

E não é que ensinara mesmo? Ensinara-me que não somos meros receptáculos de uma narrativa, leitores inertes numa relação de um só sentido. Somos agentes, pares do autor, responsáveis com ele pela construção da obra lida. Por exemplo, Thomas Mann dizia que descrevera no seu “Os Buddenbrook” a decadência de uma família. Ora quando eu o li, esse aspecto pareceu-me meramente instrumental. Achei-o um grande livro sobre a riqueza, a diversidade e a fragilidade da vida. Não há azar, o livro que ele escreveu e aquele que eu li simplesmente não são o mesmo: entes próximos, ligeiramente diferentes e igualmente respeitáveis. Ler é um exercício de homens e mulheres livres. Por isso as ditaduras sempre proibiram e queimaram livros. Até a semelhança fonética das palavras “livro” e “livre” , uma feliz coincidência, reforça essa identidade.

Para ensinar o gosto pela literatura precisaremos sempre de professores capazes e alunos disponíveis, como em qualquer matéria. Se a esses ingredientes juntarmos, para horror da malta do ministério, alguns livros, lidos de fio a pavio e com espírito de liberdade, a aprendizagem pode ocorrer. Mesmo que no fim ignoremos o significado de “metátese” ou “zeugma”.

segunda-feira, junho 13, 2011

Pub. (Mataspeak em momento de publicidade pouco encapotada)

Como já aqui contado, em Junho de 2008 o meu pai fixou residência na sua terra natal, Vila Nova da Barquinha. Desde então tornei-me barquinhense de ocasião, deleitando-me com a vista do Tejo junto ao Cais Pombeiro, passeando pelos caminhos geométricos do Barquinha Parque ou pela pacatez das ruas desertas ao pino do sol, assinando o jornal Novo Almourol, deliciando-me na Tasquinha da Adélia com um bife com batatas fritas que não foram compradas na Makro, com o sabor pensava eu perdido que as nossas avós lhe sabiam dar, emocionando-me enfim à porta da sede do Sporting Clube Barquinhense, instituição decana de que meu avô foi sócio fundador como atesta um diploma que, encaixilhado a verde, está pendurado no escritório onde escrevo estas linhas.

Para mais, lá vou sabendo histórias das minhas raízes, sobretudo quando tenho a sorte de coincidir com os mais velhos. Numa terra de apenas 1400 habitantes, já terei ouvido em breve esse mesmo número de memórias contadas ora com saudade ora com riso.

Pois neste fim-de-semana, no dia 10 de Junho, dia de Portugal, de Camões e de tudo o mais, inaugurou-se no Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha a exposição DaNação, da autoria do meu tio Luís da Mata, filho da terra, em que este usou como mote a bandeira nacional para uma sequência plástica, de pintura e instalação, que propõe uma reflexão sobre o caminho trilhado – sobretudo nos tempos mais recentes – pelo nosso país.

Vem a propósito esta exposição, porque passam no próximo dia 19 exactamente cem anos sobre a aprovação do actual modelo de bandeira pelo decreto 141 da Assembleia Nacional Constituinte, selecionada que foi, após concurso de ideias, por uma comissão a que pertenciam Columbano Bordalo Pinheiro, João Pinheiro Chagas e Abel Botelho.

Vem mais a propósito ainda porque a nação do símbolo passa por momentos de aperto que o símbolo da nação não deixaria suspeitar, com o seu verde “de esperança” e o seu vermelho, “cor combativa, quente, viril, por excelência (...) cor da conquista e do riso (...) cor cantante, ardente, alegre (...)”, nas palavras da comissão que a escolheu.

Não tenho a certeza de que a minha leitura do percurso exposto seja exactamente igual aquela que o autor tinha em mente quando produziu a obra. Conhecendo-nos a ambos, admito que não. Fica esta matéria para próxima conversa entre os dois.

Mas digo-vos e assim termino: vão, que vale a viagem e não só por orgulho de sobrinho. É uma visão inovadora, disruptiva e esteticamente apelativa sobre o nosso colectivo. Olhem, admirem, interroguem-se e pensem. E desfrutem, claro está.

quinta-feira, junho 09, 2011

A noite eleitoral vista do meu sofá

Duas da tarde

A noite eleitoral começa cedo nas têvês. Os telejornais vão repassando a xaropada usual, com o mesmo rigor metódico com que os pilotos aviadores percorrem (espero eu) o “check list” antes da partida.

Temos por isso:

a) O exemplar civismo com que o acto eleitoral está a decorrer

Contra todas as expectativas não há barricadas e forcas nas ruas de Portugal e o sangue não corre nas valetas.

b) O voto dos candidatos

O candidato votou antes do meio-dia na escola secundária cê mais esse D. Fuas Roupinho. Chegou acompanhado da mulher e esperou pela sua vez para exercer o seu dever cívico. Cumprimentou os membros da mesa. À saída, declarou que esperava que o acto eleitoral decorresse com normalidade e que a afluência às urnas fosse elevada. Entrou num café onde bebeu uma bica em frente às câmaras.

Ainda um dia hei-de dar o meu voto ao candidato que vá votar pela seis e meia da tarde, chegue acompanhado de uma gaja que conheceu na noite anterior, motivo desse voto tardio, passe à frente da fila porque está com pressa, mande bugiar os membros da mesa e declare que até podia andar tudo à porrada que para ele era o mesmo e que quanto menos forem às urnas menos papel se gasta. Finalmente, que entre no café onde os outros candidatos beberam as bicas e avie duas imperiais perante o “zoom” arregalado das câmaras.

Talvez quando o Vieira conseguir as assinaturas.

c) Os boicotes ao acto

Há sempre dois ou três cus-de-mundo em que dois ou três caciques locais conseguem um boicote fechando a corrente e cadeado, corajosamente pela calada da noite, o local onde a votação iria decorrer. Afirmam depois aos microfones sôfregos das cadeias televisivas que a população de A-dos-Caracóis está farta de não ter lá uma estação de lançamento de foguetões interplanetários ou outra infraestrutura igualmente fundamental. Os senhores jornalistas tomam a devida nota e esquecem-se sempre de perguntar porque é que se a população está assim tão unânime foi preciso trancar as portas.

Desta vez houve porém alguma originalidade. Num lugarejo obscuro largaram abelhas na sala das mesas de voto, o que permitiu ao presidente da junta confirmar o boicote, não fosse alguém ser picado e morrer com uma reacção alérgica. Noutro ermo qualquer, puseram cola nas fechaduras e uma esmerada selecção das mulheres mais feias de Portugal aos gritos em frente às portas, de permanentes ralas e brincos de minhota, cenário dantesco que desmotivou a GNR de agir com proporção na reposição da legalidade democrática.


Sete da tarde

No continente, porque nos Açores os micaelenses, as corvinas e os picarotos ainda enfiam nas urnas de voto, impedindo a divulgação no “cuuntiineente” de sondagens à boca das mesmas.

À falta de melhor tema, as televisões divulgam a previsão de 40% de abstenção, com mais ou menos casas decimais.

Procuram-se causas racionais. O afastamento dos jovens da política. O afastamento dos idosos da política. O afastamento da malta na força da idade, da política.

Se os vivos se afastam, já os mortos não arredam pé. Os cadernos eleitorais caminham para o milhão de eleitores-fantasma. Mesmo assim não é mau: li hoje que nove mil mortos na Grécia ainda estão a receber a reforma. Cá, pelo menos, os defuntos limitam-se a abster-se.

Na realidade a explicação é mais simples. Na Atenas clássica, a condição de cidadão implicava direitos (como o voto) e deveres (como o voto). Aos cidadãos que não se envolviam na política, os atenienses chamavam-lhes “idiotes”, termo grego que significava “indivíduo” ou “pessoa privada”, mas com um cunho pejorativo. Daí derivou a nossa palavra “idiota”.

Havendo 9,6 milhões de eleitores, os 40% que se abstiveram representam 3,8 milhões. Subtraiam-se os 0,7 milhões de mortos e sobram 3,1 milhões de idiotas. Para o que a gente vê por aí, até diríamos que deviam ser mais.


Oito horas e treze milésimos de segundo da tarde

Pedro Passos Coelho novo primeiro-ministro.

Assim não dá gosto. Quando eu era garoto, a noite eleitoral durava eternidades de incerteza e adrenalina, até altas horas da madrugada. Começavam a existir uns prognósticos lá para as dez, mas certezas só depois da meia-noite, senão mesmo na manhã seguinte.

Hoje no primeiro segundo fica-se a saber tudo, passados quinze minutos já estão contadas metade das freguesias, uma hora depois já se demitiram os derrotados e às onze está tudo a arrumar o estaminé.

Assim mal acomparado, passámos de um prolongado gozo tântrico ao “ejaculatio praecox” dos Romanos, no que a noites de eleições se refere.


Oito e um minuto

A RTP vai mostrando os homens da luta Jel e Falâncio, duas das maiores concentrações de sebo da galáxia, a aproveitar o momento para se publicitar, com megafone, cartaz e bombo, em frente ao hotel que serve de “quartel-general” ao PSD, enviando os parabéns assim que vêem um microfone disponível. Cheira a casaca virada.

O drama de se tentar ser engraçado é que convém ter graça.



Oito e qualquer coisa

Vou “zapando” entre canais. Embora tenham cada qual uma dúzia de comentadores arrebanhados para os prognósticos de fim de jogo, alguns dos quais até interessaria ouvir, as televisões preferem permanentes directos com o Sana, o Altis, o Vitória ou o Largo do Caldas, onde vão perguntando a militantes de base se estão a curtir ou se o galo é grande, consoante a cor.

Com tantos meios, tantos repórteres, tantos quadros digitais, tanta trampa, é completamente impossível ficar informado. Um caso típico de rendimentos marginais decrescentes.


Oito e muito

Um dos canais avança a hipótese do PAN, Partido dos Animais e da Natureza, vir a eleger um deputado por Lisboa. Animais no hemiciclo. Não propriamente uma novidade.


Nove e pouco

O primeiro-ministro desce para o discurso de derrota, cercado por uma camada de seguranças, por sua vez envolta numa capa de jornalistas de microfone em riste e câmaras erguidas em braços como se de halteres se tratassem. A mole ziguezagueia desordenadamente e acaba por arrebentar com uma porta de vidro, em directo. Sócrates sobe ao palanque, sacudindo os cacos de vidro da lapela do Armani.

Conforme os comentaristas haviam prognosticado meia hora antes, Sócrates demite-se, com um descurso de bom perdedor, diga-se.

Começa a caça ao candidato: as câmaras focam-se em Seguro, Assis e Costa, que afectam não ser nada com eles.

Confirma-se também o “vae victis”. Algumas das perguntas dos jornalistas, agora desempoeirados, assim o demonstram.


Não muito tempo depois

Ouço alguém entusiasmado falar de “inequívoca consolidação da expressão eleitoral”, “aumento da percentagem e número de deputados”, “sinal de inegável significado quanto a um mais alargado reconhecimento da acção, propostas e papel...”. Levanto a cabeça. Pelo tom ufano, podia ser o André Villas-Boas a falar do FCP, mas é apenas o Jerónimo de Sousa a rejubilar com a estrondosa vitória do PCP, com sensacionais 7,94% dos votos.

Nós, Sportinguistas, devíamos aprender com esta mentalidade. Festejaríamos convictos os quartos lugares invadindo o Marquês de Pombal, eufóricos.


Talvez pelas nove e meia

O melão da noite. Alongado e graúdo, verde por fora e sumarento por dentro, de talhada firme e semente solta. Saiu em brinde à esquerda Façonnable.

Louçã diz que os resultados significam um “recuo”. Sei que dada a etimologia da palavra “recuo”, talvez o Bloco a veja como mais politicamente correcta do que outras mais apropriadas para a ocasião, como sejam “coça”, “trepa” ou “cabazada”. Mas ainda assim: passaram em dois anos para metade dos votos e dos deputados. Isto não é um recuo, é uma viagem em marcha atrás de Lisboa a Bombaim.

Prevejo que o Bloco de Esquerda vai ser a partir de agora cada vez menos bloco e – se possível for – cada vez menos esquerda.


Ainda não passara meia hora da demissão do Sócrates

As televisões passam as emissões para o Altis porque António José Seguro vai fazer uma declaração. Os comentadores prevêem que ele vai declarar que não se candidata a líder do PS, com o piedoso raciocínio de que seria de muito mau gosto anunciar a candidatura praticamente em cima do cadáver fumegante do José. Mal sabem eles de que é capaz um homem que esteve à espera.

No Altis, abre-se a porta de um elevador e sai António José, demasiado seguro diante de quarenta microfones e vinte objectivas. Profere umas redondezas sobre a sua eventual candidatura, do género “não é o momento apropriado”, “estou disponível para dar o meu humilde contributo”, “não volto a cara ao meu partido e a Portugal”. Portugal, viram? Ganda pinta.

Resumindo: é candidato e a sua candidatura, tal como a pescada, antes de o ser já o foi.

Alguns jornalistas, daqueles para quem é preciso fazer um desenho, perguntam-lhe porque é que ele os convocou se não era para confirmar a candidatura. Seguro responde:

– Convocar, eu? Os senhores é que aqui estavam à minha espera.

Assim terminou em glória o momento sabujo da noite.


Não sei se antes se depois

Portas, um dos vencedores destas eleições, não escondia a tristeza no seu discurso de triunfo. Apesar de uma campanha em que ostentou mais de cem chapéus diferentes, só subiu 1,3%. Pouco para quem se queria tornar o mais pequeno dos grandes e continua apenas o maior dos pequenos. Apesar de tudo, com a chave do governo na mão.

Já dizia Pirro, rei do Épiro e da Macedónia, depois da difícil batalha de Ásculo: “Mais uma vitória destas e estou perdido.”


Já passava das dez

Passos Coelho sobe ao púlpito como novo primeiro-ministro de Portugal. Para gajo que acaba de ser contratado para um dos piores empregos do planeta nos próximos anos, parece contente. Discursa com fluência e preparação. Canta o hino nacional. Responde num inglês muito razoável a um jornalista estrangeiro. Neste aspecto, certamente, ficámos a ganhar.


Onze e tal

Os carros apitam na rua e agitam bandeiras laranjas. Afinal o PAN não elegeu nenhum deputado. Nos ecrans, os “pivots”, flutuando em cenários virtuais, vão repassando em tom cansado os números finais de Viseu e de Évora. Há algum clima de anti-clímax. Os comentadores de serviço cumprem serviço, largando as últimas tiradas. Desligo a televisão e vou enxotando os gatos para fora da sala.

Amanhã, continua a crise.