domingo, janeiro 23, 2011

A importância do dado

O meu filho mais velho vota pela primeira vez hoje. Teve azar. Estreia-se com a eleição mais soporífera de que há memória desde que os tanques do MFA instauraram o actual regime.



O incumbente Cavaco Silva, tal como o incumbente FC Porto, irá ser campeão logo na primeira volta. Os adversários mais directos pouco passaram do meio campo e só conseguiram rematar umas bolas de longe, que o Aníbal, com a experiência de muitos campeonatos, facilmente chutou para canto. Ficámos a saber que terá feito uma permuta fiscalmente manhosa e fomos relembrados (a notícia não era nova) que tomou parte em negócio com gente amiga que entretanto se tornou pária. Não muita massa, mas rendeu bem. Enfim, habilidades que meio país já fez e a outra metade não se importava de fazer. A parte simpática é que lhe vai ser mais difícil doravante dizer que “não sou dessas”, a última frase que costumam soltar antes de passar a sê-lo.


Tal como os adversários do FC Porto se consolam das cacetadas que levam com um despeito ressabiado, insinuando em bicos de pés sobre a corrupção da arbitragem e a falta de nível dos dirigentes nortenhos, os adversários de Cavaco, em vez de jogar à bola, vão-se auto-satisfazendo trocando impressões sobre a “falta de cultura” e o “ar hirto” do homem de Boliqueime. Suponho que será para o lado que o Cavaco dorme melhor.


As referências sobranceiras e classistas de uma certa “esquerda chique” sobre Cavaco sempre me irritaram porque têm um significado muito claro: incomoda a essa gente que o filho de um gasolineiro chegue a Presidente da República. Para essa malta, de que Teresa Villaverde e uma Raquel Freire que se diz cineasta são abetardos exemplos no Público desta sexta, Cavaco é um “de fora do nosso grupo, que somos cultos e relax”. E logo usurpou um poder que não lhe cabe. A esta pseudo-esquerda, de cujo nível cultural desconfio, recomendo algumas leituras sobre a Igualdade e o esforço que alguns despenderam e o sangue que alguns verteram para que ela fosse maior: esta, esta e esta, por exemplo.


O “runner up” Manuel Alegre trocou a frutífera liberdade das eleições anteriores por uma camisa que só tem duas varas, mas varas grandes: os apoios de um Partido Socialista com reserva mental e de um Bloco de Esquerda com reserva mental. Como a intersecção ideológica entre o PS socrático e governante e o BE louçanico e oposicionista se reduz para aí ao casamento homossexual, tema que não chega para tantos dias de campanha, para não melindrar ninguém resta a Alegre disparar contra Cavaco. Por azar, quando o tema do BPN estava a começar a aquecer, apareceu-lhe aquela história do BPP que o baralhou um bocadinho. E a mim também: ainda não percebi onde é que está o cheque. Tem-no ele, a secretária, o BPP, a agência de publicidade? Ainda estará em trânsito no correio? Alguém se atravessa? Se ninguém o quiser eu fico com ele!


O “outsider” Fernando Nobre foi para mim a maior desilusão destas eleições. Não percebeu o básico: ser (e relembrar imparavelmente que se é) boa pessoa não chega para convencer o eleitorado. Algumas ideias para o futuro também convinham. Os ingleses, para derrotar os nazis, elegeram um misógino alcóolico com mau feitio e esqueletos no armário mas que tinha um programa claríssimo: arrebentar com eles. Feito esse serviço, sem qualquer gratidão, elegeram outro diferente logo a seguir à guerra. Ninguém nega e, julgo, todos admiram a obra humanitária de Fernando Nobre. Mas ele que não espere que uma multidão grata pelo seu passado benemérito o leve só por isso até à presidência. Nobre, infelizmente, exibiu uma imagem pálida dos candidatos ditos “oriundos da sociedade civil”, que vai deixar marcas e prejudicar novas aparições nos próximos tempos.


O PCP decidiu desta vez trocar o lado “avô Cantigas” do partido, representado em 2006 por Jerónimo de Sousa, pelo “dark side” de Francisco Lopes que com aquele olhar licantrópico seguramente terá sido formado na distrital da Transilvânia do PC romeno. Com um registo mais próximo do aterrorizador Klaus Kinski que do sedutor Christopher Lee, Francisco Lopes não deverá atrair muitos pescoços para a dupla dentada.


O Defensor Moura… Não me ocorre nada para dizer sobre o Defensor Moura, desculpem lá.


O Coelho da Madeira (Oryctolagus madeirensis) é um castiço que veio provar que a sucessão do Alberto João é possível. Afinal aquilo pega-se e deve haver lá mais assim. Gostei do táxi e do fato a condizer com a cor do táxi. Do carro funerário também.



De resto, a campanha foi o habitual grau zero da política, com arruadas – palavra da moda que rima com burricadas, putos das jotas de bandeirinha, bacalhaus às mãos-cheias, beijocas às velhotas, repórteres explorando os limites mais recônditos da idiotia, debates não debatidos, moderadores imoderados, fuga às questões incómodas e demagogia quanto baste.


Com este cenário, amanhã levarei no bolso um dado e rolá-lo-ei no privado da cabine de voto. Seis candidatos, seis faces do cubo, o dado que decida.

2 comentários:

durindana disse...

Por acaso até acredito que lances o dado.
Será que o Polido Valente também joga?
Meu caro, numa primeira volta mais importante do que saber em quem votar é saber em quem não se deve votar.
Desiludidos... somos milhões.
Nem todos pelas mesmas razões.
A.M.

Alex disse...

Pois.
Gosto da análise à esquerda-caviar
E ser boa pessoa não chega
(Se chegasse estavamos safos, as más pessoas não chegavam lá...)