sábado, outubro 17, 2009

Vidas difíceis

Hoje, caiu-me no meio dos megabaites da caixa de correio uma oferta de emprego. Assistente administrativa, liceu feito, inglês e espanhol davam jeito. Dinamismo e forte sentido de responsabilidade. Não sabia que o sentido de responsabilidade se podia graduar.


Claro, o dinamismo! Qualquer anúncio de trabalho exige dinamismo, nestes dias “stressados” em que por assim dizer vivemos. Nem que seja para faroleiro ou sentinela no palácio de Buckingham. Na realidade, a palavra dinamismo está lá para duas coisas: lembrar ao candidato que é para bulir, por pouco que paguem, e dar da empresa uma imagem mundana. Uma empresa que não exija dinamismo deve sentir-se atacanhada. Como se não tivesse “Internet” ou máquina de café na copa. Pedir dinamismo faz cóceguinhas ao ego corporativo.


Continuando, oferecia a fartura de cento e quarenta mocas brutas, o vezeiro subsídio para galão e croquete às treze e (parte melhor) a integração numa empresa sólida. Nestas coisas dos empregos, convém às empresas reclamar-se da solidez. A solidez duma companhia é como a frescura do peixe. Se não constar, é que nem vale a pena. Então porquê oferecê-la como se fosse parte do vencimento?


Requeriam currículo e foto. Como quem diz: se ostentares cara de garoupa, nem mandes os papéis. Adicionalmente, como se vê pelo a no fim de administrativa, não se supõem rapazes para o lugar. Gajas girinhas, portanto. Podiam pôr por extenso. Facilitava a vida a toda a gente.


Exigiam-se doze anos de escola mas não mais de quarenta de existência. Talvez por ser quarentão, este último género de requisitos irrita-me. Pensem melhor. O que diriam de um anúncio de emprego que, numa linha, explicitasse “religião católica ou equivalente” ou “baixo teor de melanina na cútis” ou “orientação sexual certinha” ou ainda “anti-comunismo primário exigido”. Para além de anti-constitucional, ficava com um ar estranho, não era? Então, por que carga de água deveríamos engolir sem partir tudo limites de idade deste calibre idiota? Alguém me explica porque se dão as empresas ao direito de alardear que não vão aceitar empregar pessoas que não se encontrem no primeiro terço do seu percurso profissional?


A resposta é, como na anedota do cão contorcionista, “porque podem”. Porque as deixam. Porque não têm medo. Dizia Patton, sobre os seus soldados, “I only hope to God they never lose their fear of me”. Quando as empresas perderam o medo de infringir os limites da decência é sinal que não andamos muito bem comandados.


Nesta mesma linha de constatações, suicidou-se anteontem o vigésimo quinto trabalhador da France Telecom, empresa que introduziu a lixação periódica da vida pessoal como método de gestão de recursos humanos. Vinte e cinco cadáveres depois, vi no telejornal o presidente da companhia, Didier Lombard para vergonha do seu nome, a tartamudear para os microfones, branquinho de medo de perder o lugar como aconteceu com o seu vice-presidente, que manifestamente teve que pôr a cabeça no cepo para acalmar o ambiente. Mas pelo menos este já está com medo. Sempre é um começo.


Não creio, mas se calhar sou ingénuo, que as vidas desses homens que protestaram com a corda na garganta ou a lâmina nos pulsos valham o aumento dos lucros de fim de ano, se por acaso os houve, o que duvido. Na realidade, a France Telecom até se viu obrigada a acrescentar à demonstração de resultados o custo com cem novos assalariados contratados para gerir o “stress”. Mais uns milhões de euros por ano, para abrirem os olhos: proveitosa política de gestão de pessoal.


Mas nem tudo é injustiça neste vale de lágrimas que calcorreamos. O tal Didier Lombard até podia ser um gestor bem posto e bem parecido e o cosmos pareceria desequilibrado, com o “yin” e o “yang” todos pendurados para o mesmo lado. Mas não. Por sorte, é um sapo, um fulano de ar nojento como os lodos industriais ou a papada do Alberto João, ainda por cima com a pesporrência do francês das “grandes écoles".


Desculpem lá a maledicência, mas o sacana não merece menos e hoje é – ou acabou de ser – sexta-feira à noite.

1 comentário:

Mac disse...

Muito bem visto! O pior é que quanto às idades, esquecem-se que quanto mais velhas são as pessoas, menos formação precisam e mais conhecimentos têm, mas parece que isso não interessa para nada...

(e-mail recebido)
"A Revista Visão de 16 de Julho publicou um artigo sobre o jovem que deu esta resposta,

A XXXXXXXXXX está a aceitar candidaturas para estágio na área de Design
Requisitos Académicos: Finalista ou recém-licenciada(o) em Design
Competências pessoais:
• Poder de comunicação;
• Iniciativa;
• Auto-motivação;
• Orientação para resultados;
• Capacidade de planeamento e organização;
• Criatividade
Competências técnicas:
Conhecimentos nos seguintes programas/linguagens
® Adobe Photoshop,
® InDesign,
® Illustrator (FreeHand e Corel Draw) Flash,
® Dreamweaver,
® Premiere,
® AfterEffects,
® SoundBooth,
® SoundForge,
® AutoCad,
® 3D StudioMax
® HTML (basic),
® ActionScript 2.0 (basic),
® CSS,
® XML.
Remuneração: Estágio Remunerado
Duração: 6 meses, com possibilidade de integração na equipa

Portanto, e resumindo, esta empresa quer um recém-licenciado que saiba de origem 13 softwares e 4 linguagens de programação. Isto é o país em que vivemos.
Não me ficando atrás perante esta pérola, decidi responder no mesmo estilo.
Eis o que lhes respondi:

Boa noite,
Estou a entrar em contacto para responder ao anúncio colocado no site Carga de Trabalhos para a posição de estagiário em Design.
Chamo-me André Sousa, tenho 25 anos e sou um recém-licenciado em Design de Equipamento (Fac. Belas Artes de Lisboa).
Sou extremamente comunicativo, transbordo iniciativa e auto-motivação, estou constantemente orientado para os objectivos como uma bússola para o Norte (magnético), sou mais planeado e organizado que o Secretário de Estado de Planeamento e Organização e sou um diamante da criatividade como já devem ter percebido e como vão poder comprovar nas próximas linhas.
Quanto aos conhecimentos técnicos:
Sou um mestre em Adobe Photoshop.
Conheço o InDesign por dentro e por fora.
O Illustrator, Freehand, Corel e o Flash são os meus brinquedos do dia a dia, faço o que quiser com eles.
Nem me ponham a falar do Dreamweaver, até de olhos fechados...
Premiere... Até sonho com ele!
AfterEffects tem um lugar especial no meu coração.
Faço umas coisas bem maradas com o SoundBooth e o SoundForge.
Com o Autocad e o 3d Studio Max até vos faço duvidar dos vossos próprios olhos.
Html, Action Script 2.0, CSS e XML são as linguagens do meu mundo.
Mas sejamos francos, qualquer estudante de 1º ano sabe de cor e salteado qualquer um destes 13 softwares e 4 linguagens de programação...
Eu sou um recém finalista. E como tal tenho muito mais para oferecer:
Tenho conhecimentos de Cinema 4D, Maya, Blender, Sketch Up e Paint ao nível de guru.
Tenho conhecimentos mega-avançados de C+, C, C++, C+ ou –, Java, JavaScript, Ruby on Rails, Ruby on Skates, MySQL, YourSQL, Everyone'sSQL, Action Script 3.0, Drama Script 3.0, Comedy Strip 3.0 e Strip Tease 2.5, Ajax, Vanish Oxi Action, Oracle, Sonasol, XHTML, Batman e VisualBasic.
Conheço o Office todo de trás pra frente assim como a Microsoft WC.
Domino o Flex ao nível do Bill Gates e mexo no Final Cut Pro melhor que o Steven Spielberg.
Tenho ainda conhecimentos de grande amplitude em 4 softwares que estão a ser desenvolvidos por grandes marcas e também de 3 outros softwares que ainda não foram inventados.
Falo 17 línguas, 5 das quais já estão mortas e 6 dialectos de povos indígenas por descobrir.
Com estes conhecimentos todos estou super interessado num estágio porque acho que ainda tenho muito para aprender e experiência para ganhar. Espero que ao fim de 6 meses tenha estofo suficiente para poder fazer parte da vossa equipa e quem sabe liderá-la.
Fico ansiosamente à espera de uma resposta vossa.
Embora tenha uma oportunidade de emprego na NASA e outra no CERN espero mesmo poder fazer parte da vossa equipa.

Cumprimentos,
A. S.