quinta-feira, agosto 06, 2009

O boticário

Existem neste cantinho da península estranhos personagens, que estranhamente se perpetuam e mais estranhamente se toleram. Um deles é o presidente da associação local das boticas, um tal de Cordeiro.

Este Cordeiro já pouco tem de lãzudo, mas compensa com uma barba à moda de século indefinido, algures entre os Filipes e a Carlota Joaquina. Desculpar-me-ão os amigos farmacêuticos, mas um passa-piolhos destes não traz credibilidade nenhuma à vossa corporação. É como se o bastonário dos engenheiros se apresentasse de cota de malha, o dos médicos de libré ou o dos advogados de braguilha de brocado flamengo.



Consta na melhor imprensa que o senhor é dos mais poderosos de Portugal. Pelo menos, fala – ou, melhor, vocifera – como tal. Em geral, as suas indignações fulminam ideias mais liberalizantes, como a unidose ou a venda de aspirinas nos supermercados, e alertam para riscos iminentes se tais heresias vingarem, riscos esses oscilando entre o fim meteórico da farmácia em Portugal, na versão mais benigna, e a morte da civilização ocidental tal como a concebemos, em dias em que acordou menos disposto.

Sobre isto, tenho que partir do princípio que ele lá saberá o que anda a dizer. Que as cruzes verdes que lampejam nas noites de Londres ou Paris (cidades que adoptaram medidas funestas do género daquelas que ele denodadamente procura evitar neste Portugal desorientado) são meros engodos destinados a convencer o estrangeiro incauto que ainda se vendem nessas metrópoles analgésicos e profiláticos sem ser num mercado negro, apesar das libertinagens que os governos locais tiveram para com os monopólios das farmácias.

No período prévio às férias estivais, o senhor andou activo que nem um princípio activo. Acusou o primeiro-ministro (que ele tolera como interlocutor à falta de mais alta figura governativa) de traidor e mentiroso. Depois apareceu e adoçou o comprimido: afinal tinha sido engano. Não foi a mais feliz das figurinhas mas enfim: isso é lá com ele.

Nestes entretantos, aconteceu o dramático episódio dos seis pacientes de Santa Maria que cegaram na sequência da injecção de um fármaco no globo ocular. E lá volta o Dr. Cordeiro aos ecrãs, entre os quais o meu, a insinuar que o governo tinha culpas no cartório desta cegueira acidental porque autorizara uma farmácia de venda ao público nesse hospital de modo diferente ao que ele recomendara e se calhar até poderia esta ter metido a pata na poça e ele bem avisara e pim e pam e pum.

Rapidamente, médicos e até farmacêuticos vieram a terreiro retorquir, explicando que a farmácia interna do hospital, de onde provêm os medicamentos administrados aos doentes internados, é uma estrutura hospitalar que nada tem a ver com a farmácia de venda ao público situada no espaço do hospital, tal como não tem com a cafetaria ou a tabacaria.

Por acaso também tinha essa ideia, mas também não é o mais relevante. O que interessa é o seguinte: não se aproveita a desgraça de seis seres humanos que perderam a vista, se calhar para sempre, para fazer política corporativa da mais rasteirinha. É uma atitude que define um carácter. Como diz hoje a malta nova: ó Cordeiro, és a base.

E já que a mãezinha dele não se deu em tempo útil à tarefa de lhe ensinar que essas coisas não se fazem, que alguém lhe explique agora. Talvez os sócios da Associação Nacional de Farmácias se queiram encarregar dessa didáctica missão, votando maciçamente a sua destituição, nas próximas eleições para a direcção.

1 comentário:

Alex disse...

Tudo o que dizes deste tipo eu assino por baixo; e é pouco... Tu és um rapaz educado.
Este tipo tem alma de "Padrinho" mafioso e, o que me espanta, é que os proprietários de farmácia, na sua maioria mas não totalidade, lhe pagam a dízima muito satisfeitos. Sim satisfeitos porque se consolam pensando que a ANF é um potentado; e é! É mas não para os farmacêuticos, é para "Os Senhores" da ANF, para os donos do feudo. Porque será que não entendem isto? Para mim é um mistério...
Este tipo é mafioso, egocêntrico, malandro, desonesto, crápula e vagamente perigoso.
Quando Socrates subiu à cadeira de nosso 1º, este tipo esteve fechado com ele a fazer coisas... Não foi dito a ninguém o quê, nem aos sócios da ANF, nem, pior, aos portugueses. Agora as comadres andam zangadas, fala-se de traições, valore$ mais altos se levantam. (Ai a Sonae...)
Temos os falso cordeiro que o "rebanho" merece.
Lamentável!