segunda-feira, julho 13, 2009

O guia áspero do rock pedregoso

Nota: os títulos das músicas abaixo listadas são “clicáveis”e remetem para páginas do Youtube. A qualidade do som por vezes é má. Num ou noutro caso são versões ao vivo. O "Place in the Line" é tocada por uma banda de um "ex-Deep Purple" e não pela formação original. A minha iliteracia informática não me permitiu chegar hoje mais longe, mas espero corrigir isto nos próximos dias.


Para iniciar finalmente a série dos guias ásperos, e correndo o risco de ser já chamado ignaro, vamos começar pelo mais básico: "rock" pedregoso. Música para dedicar o corpo ao ritmo e abanar freneticamente a cabeça, para bater o pé com estrépito e fazer figurinhas irracionais, mas com todo o prazer. Para dar espaço ao animal que vive em nós. Os mais sectários detractores chamar-lhe-ão selvagem. Os mais fiéis seguidores chamar-lhe-ão selvagem. Ambos com muita razão.

Nem só de racionalidades vive o homem, graças a Deus. Os gregos, por exemplo, que nos ensinaram na escola como muito geométricos e ponderados, possuíam como todos nós um lado danado para a brincadeira. O culto de Dionísio, deus trácio, pegou de estaca entre a gregalhada, que adorava aquelas barbaridades (no sentido literal do termo) e se soltava em grandes pagodes nocturnos, com carne crua à dentada, álcool, dança no escuro e tudo o mais que intuímos mas cujo relato não chegou aos nossos dias. Sabemos, no entanto, que abanavam o capacete à noite. Disso, atesta Eurípides em “As Bacantes”, quando as põe a cantar:

Alguma vez voltarão a mim, uma outra vez,
As longas, longas danças,

Na escuridão até desaparecer o brilho das estrelas?

Voltarei a sentir o orvalho na garganta, e o fluxo de vento no meu cabelo?

Lampejarão os nossos pés brancos nas vastidões sombrias?


Desde esses idos até aos nossos dias, o pessoal continuou a procurar o lado livre de si próprio, nas celebrações do estio e nos Carnavais. Na segunda metade do século XX, o “rock” e o seu instrumento primeiro, a guitarra eléctrica, cavalgaram mudanças políticas e culturais e trouxeram de novo às massas as longas, longas danças nas vastidões sombrias. Mais recentemente, com o advento da electrónica e da miniaturização, a festa tornou-se privada e pode ser gozada no metropolitano, na fila de trânsito, na biblioteca.



As doze que se seguem, seleccionei-as por serem graves, telúricas, com um ritmo essencial que parece brotar da terra, como convém a música “rock”. São para mim emblemáticas desse estilo: guitarras distorcidas e velozes, “riffs”, baixo autoritário, batida insidiosa e alta pedalada. Por ordem aproximadamente cronológica:

I’m waiting for the man – The velvet underground
Brown Sugar – The rolling stones
Place in the line – Deep purple
Hocus Pocus – Focus
Tie your mother down - Queen
Real wild child – Iggy Pop
Rock’n’roll nigger – Patti Smith group
Safe European home – The clash
I wanna be sedated – The Ramones
My Sharona - The Knack
Smells like teen spirit – Nirvana
Pretty fly (for a white guy) – The offspring


Acrescento alguns apontamentos sobre a selecção.

“I’m waiting for the man”, com Lou Reed na liderança, poderá parecer um pouco deslocada, não sendo uma música intuitiva, que nos faça imediatamente mexer o pescoço. No entanto o seu carácter obsessivo e negro acaba por subjugar: há que ouvir até ao fim.

Os Stones poderiam concorrer com listas próprias em várias categorias. Para “rock” pedregoso, estive indeciso entre este “Brown Sugar” e o “Bitch”, do mesmo álbum “Sticky Fingers”, daquele que é o período de ouro do grupo, antes de começarem a encher chouriços e a viver dos rendimentos.

Dos Deep Purple, poderia parecer mais apropriado incluir um dos dois clássicos do “Made in Japan” (“Smoke on the water” e “Highway star”). No entanto, sempre encontrei neste “Place in the line”, uma canção que começa “bluesy” e acaba em alta pedalada, o modelo acabado de uma banda a tripar em sintonia. Na realidade, os elementos do grupo estavam já em conflito – a formação separar-se-ia a seguir à gravação do álbum – e nunca chegaram, surpreendentemente para quem ouve esta canção, a estar todos juntos no estúdio a gravar.

Os Focus foram uma fabulosa banda holandesa dos anos setenta, hoje esquecida, com grandes músicos como o guitarrista Jan Akkerman ou o teclista Thijs van Leer, que fundiu um “rock” por vezes pesado, por vezes psicadélico, com um som suave, de marcada influência erudita. A ouvir, este “Hocus Pocus” e depois tudo o que deste grupo vos vier parar à mão.

Dos Queen, que tocaram um pouco de tudo, recuperei um dos momentos mais desbragados, o “Tie your mother down” do álbum “A day at the races”, com um Brian May em momento inspirado, um Freddie Mercury em grande e os coros característicos daquela fase da banda.

Do iguana e padrinho do “punk”, escolhi “Real Wild Child”, um “remake” de um êxito dos anos cinquenta de Johnny O’Keefe. Ligeiramente mais ligeira que a generalidade da selecção.

Da diva Patti Smith, um momento mais belicoso, gravado ao vivo.

Os Clash começaram “punks” mas no terceiro disco, o grande “London Calling”, já faziam o que lhes apetecia. Pelo meio, na transição, gravaram o menos conhecido “Give’em enough rope”, com vários excelentes momentos de “rock” pedregoso, entre os quais este “Safe European home”.

Os saudosos Ramones (“uan-tu-fi-fó”, “gabba gabba hey” e outras credenciais equivalentes) fizeram carreira só com três acordes, assim diz a lenda. Banda de “rock’n’roll” aceleradíssimo, não poderiam faltar aqui.

“My sharona” representa o lado mais pedregoso da fértil “new wave” do final da década de setenta. Momento único dos “The Knack”, que se consumiram no esforço e desapareceram do mapa.

Quando ouvi pela primeira vez os Nirvana, já o Kurt Cobain tinha morrido. Mas desde logo não tive dúvidas que o “Nevermind” era um dos maiores discos de “rock” de sempre. Estive indeciso entre este “Smells like teen spirit” e o “Lithium”, que tem aquele verso no qual devíamos pensar todos os dias: “today I’m so happy/cause I found my friends/in my head”.

Para terminar em paródia, os Offspring, banda mediana que se excedeu neste “Pretty fly for a white guy”, de 1998.

Desde aí para cá, nada de novo na frente leste.


P.S. Fico com a sensação que falta aqui um eicidicizito...

3 comentários:

NunoF disse...

Carlos, quando se publica um post que começa com "O guia" e inclui "rock" no título, das duas uma, ou estás numa posição supremamente bem defendida com argumentos à prova de bala, ou então arriscas-te a levar com uma saraivada digna do James Caan no Padrinho I...

Já cá volto...

NunoF disse...

A tua ordem aproximadamente cronológica é mais para o aproximado do que para o cronológico, a verdadeira ordem é:

1967
I’m waiting for the man – The velvet underground

1971
Brown Sugar – The rolling stones
Hocus Pocus – Focus

1973
Place in the line – Deep purple

1977
Tie your mother down - Queen

1978
Rock’n’roll nigger – Patti Smith group
Safe European home – The clash
I wanna be sedated – The Ramones

1979
My Sharona - The Knack

1986
Real wild child – Iggy Pop

1991
Smells like teen spirit – Nirvana

1998
Pretty fly (for a white guy) – The offspring

NunoF disse...

O facto de teres estado a dormir musicalmente desde 1979 até te consigo perdoar, dada a tua vetusta idade, agora passares ao lado dos grandes influenciadores de todo o Rock mais pujante, é que é imperdoável.

Roadhouse Blues - The Doors

Foxy Lady - Jimmi Hendrix

Led Zeppelin - Rock & Roll

Não me alongo mais porque afinal isto é um comentário, mas que havia muito mais para dizer, lá isso havia...

e sim, esqueceste-te dos AC/DC, e dos Metallica, Faith No More, Pearl Jam, Soundgarden, Radiohead, The White Stripes, etc etc etc...