sábado, maio 30, 2009

A marinhada

Passara-me ao lado no próprio dia, mas em boa hora um amigo enviou-me um “link” (http://www.youtube.com/watch?v=wZLaLO-tTJU) para o vídeo mais visto na “Internet” portuguesa: o desmadre ocorrido sexta-feira passada entre a locutora de continuidade Manuela Moura Guedes (MMG) e o homem que segura o bastão dos advogados, António Marinho Pinto (AMP), que amarinhou pelas paredes numa verdadeira batalha campal ao lado da qual Atoleiros e as Linhas de Torres fazem figura de escaramuça de bancada de bola.


Adorei!


Poder-se-á ressalvar que AMP não prima pela subtileza, mas neste caso ainda bem porque no que toca a MMG só se perdem as que não acertam no alvo. Como dizia D. João II, que dessa poda sabia muito, há uma hora da coruja e uma hora do falcão. E quando se trata da MMG só pode ser esta última. Do falcão, da águia, do milhafre, do condor, do abutre e de toda a passarada que não canora ou de pose sábia, mas que bique e que bique forte.


AMP soltou-lhe muita coisa acertada: que não deixa falar ninguém, que faz julgamentos sumários disfarçados de entrevistas, que faz acusações e afirmações e não perguntas, que não faz puto ideia do que quer dizer ética jornalística, que foi lá posta, que abusa da posição que tem. Só falhou numa coisa: acusou-a de péssimo jornalismo. Ó Marinho! Nessa lá te espalhaste. Porque chamar jornalismo, mesmo que mau, àquela verborreia abotoxada é como considerar bel-canto as actuações do Quim Barreiros nas festas de Nossa Senhora da Murtalhosa.


Também o munífico esposo, por azar dos Távoras director da estação e com aquele petisco para gerir, lá veio mais uma vez de vassourinha e balde, tentar compor os estragos, defendendo o “jornalismo” da estação com o argumento do mais alto “share”. Está enganado. Se quota de mercado fosse sinal de qualidade, o “The Sun” e o “Daily Mirror” eram jornais de referência, para já não falar do Diário do Povo, editado pelo PC Chinês em tiragens de dezenas de milhões. Para além disto, o tal de “share” bota-se à frente do televisor não para ouvir jornalismo mas para assistir à peixeirada, naquela onda coprofílica do quanto pior melhor.


Nem marido, nem mulher fazem a mínima ideia do que seja jornalismo sério e a sério. Conceitos como investigação trabalhada, procura incondicional da verdade, cruzamento de fontes, audição da opinião contrária ou presunção de inocência – sim, esta também se aplica no jornalismo – não constam das preocupações da TVI. O que lhes interessa é espectáculo, utilizando os “entrevistados” como meros figurantes para que a MMG, entre esgares e caretas, interrompendo malcriadamente e esganiçando a toda a hora, debite os seus lugares-comuns populistas. Ao ver o jornal de sexta da TVI, não nos lembramos do “it’s the press, baby, it’s the press” do Bogart, mas mais do “I love the smell of napalm in the morning” do Coppola.


Tudo isto existe e tudo isto é triste, porque o bom jornalismo, independente excepto da verdade (mesmo que alinhado), iconoclasta quando preciso e respeitador quando devido, é um pilar de uma democracia. Há jornalistas que dão o peito às balas, literalmente, pelo que o nome da sua profissão não deve ser invocado em vão. O circo fácil que a TVI monta nada faz pela luta contra a corrupção ou a imoralidade dos políticos da qual a auto-proclamada justiceira MMG pretende ser paladina. Pelo contrário: é no campo adubado pelas MMGs deste mundo que essas chagas mais medram. A TVI e o “establishment” político português são duas faces da mesma moeda, que não se olham nem se enxergam.


Terminando pelo bastonário: geralmente não aprecio o estilo trauliteiro, mas neste caso teve pelo menos o mérito de pôr finalmente uns pontos nuns is que andavam órfãos e ainda o de realizar o milagre de proporções bíblicas de calar a matraca à senhora. Noutros tempos da fidalguia, o Rei de Portugal, embora achando-o popularucho, tê-lo-ia compensado pela galhardia e pelo a-propósito, concedendo-lhe uma tença ou um viscondado com uns hectares de vinha e olival que lhe rendessem uns contos de reis.

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