terça-feira, janeiro 09, 2007

Do aborto (I)

By his bicudic majesty request


Para começar, avisar que vou votar no “sim” por três razões principais, duas da cabeça e uma do coração:

1) A opção prática é entre aborto medicamente assistido ou aborto clandestino. Nunca conheci nenhuma que se visse enrascada e que pensasse fazê-lo que não o fizesse, fosse onde desse, por muita catequese que tivesse.

2) A opção ética resulta mais complicada. Mas sendo o início da vida – e logo da criação de direitos de terceiros – um assunto sobre o qual a ciência não consegue nitidamente produzir um consenso, entre ser o Estado a decidir ou ser o principal sujeito envolvido, mais vale deixar à consciência da mulher a decisão final, uma vez que a sua é uma perspectiva subjectiva mas com um grau de insight dificilmente igualável para quem olha de fora, por muito experiente juiz que seja. O Estado só deveria limitar a liberdade dos indivíduos na medida em que esta lese ou com alguma probabilidade possa lesar terceiros com superior gravidade. Embora estejamos numa situação de fronteira, admito que este princípio ainda se aplique, tendo em conta a falta de consenso acima referida. Acresce que não faz muito sentido criminalizar algo que toda a gente, mesmo os defensores da criminalização, têm vergonha de criminalizar, por parecer pouco moderno e europeu e coisa e tal.

3) Mesmo assim, o arzinho padreca dos defensores do “não” dá-me mais galo do que o dos partidários do “sim”.


Explicada a minha posição, o que me parece mais importante: a questão do aborto deve ter alguma virtude diluidora, responsável por transformar em guano qualquer neurónio menos precavido. Raramente se ouve tanta asneira, com tão pouca vergonha, à volta de assunto sério.

Por hoje, dois exemplos, um fruta e outro chocolate:

a) Conferência de imprensa na têvê de umas meninas partidárias de um qualquer agrupamento XPTO pelo “sim”, a queixar-se da demagogia e pouca seriedade intelectual da propaganda do “não”. Declaração de princípios que faz falta um debate sério e informado e que por isso o grupo vai promovê-lo. A primeira iniciativa será um espectáculo musical. Espectáculo musical, hein? Espectáculo musical esse que, suponho, será sério e informativo. Sugiro a Sade Adu a cantar o “Is it a crime?”.

b) Tiazoca defensora do “não”, da plataforma XYZ, em declarações à revista Visão, exibe a sua faceta liberal explicando que só aceita o aborto se for para salvar a vida da mãe, obviamente. Obviamente porquê, filha? Pensei que pensavas que o direito à vida é inalienável, mas já vi que se estiveres aflita, venha o bate-escova-aspira antes que seja tarde. Vale a pena relatar aqui, para ilustração dessas senhoras donas, que encontrei há tempos uma antiga colega de liceu que não via há vinte anos. Esta minha amiga teve um cancro quando estava grávida, e optou por não se tratar até ter a criança, e só depois se submeter a um tratamento mais penoso e incerto. Feliz e merecidamente, viveu para me contar esta história de liberdade individual e de sacrifício. Não sei se ela vota “sim” ou “não”, só sei é que não deve pertencer ao grupelho XYZ, porque para ela não foi nada “óbvio”.

De facto, não há cu para tanto, mas ainda assim terei que voltar ao tema.

5 comentários:

VMM disse...

Carlos,

Tem graça porque devo confessar que voto «não» pelas mesmas três razões que tu:

1) Quanto a razão prática, não sei se quem penssasse faze-lo o terá efectivamente feito sempre... deve haver quem tenha pensado faze-lo, não o tenha feito e até tenha chegado à conclusão de ter sido mais prático e melhor parir efectivamente e depois «Adapt Improvise and Overcome», como diria o amigo Clint Eastwood ...
vide a tua amiga do liceu.
Argumento neutro portanto.

2) Na componente ética, naturalmente que a falta de concenso e a subjectividade são evidentes, pelo que sobra quanto a mim nesta componente ética a perspectiva não Orwelliana, mas um pouco mais Aldus Huxley de que caminhamos alegremente para um admirável mundo novo que começa por crianças sem Pai, já que a decisão e o «poder» fica entregue «ao principal sujeito envolvido» ... depois, já agora, sem pai nem mãe e cá chegamos a 1983.5 ....

3) Quanto à componente figadal, dá-me 100 vezes mais galo o ar debilóide de quem faz francesinhas com manga do sim...

Volta ao tema que cá estaremos para «ajudar»...

Vasco.

NunoF disse...

Caro Vmm:

"Deve haver quem tenha pensado fazê-lo, não o tenha feito e até tenha chegado à conclusão de ter sido mais prático e melhor parir efectivamente"

E portanto achas que o estado deve desresponsabilizar o indivíduo dessa decisão? Achas que o indivíduo só é responsável por algumas coisas e não é para outras? Este contra-argumento não me convence. Neste caso o direito à vida (segundo o conceito dos padrecos) é um argumento bem mais forte do aquilo que pareces estar a aludir, algo como "as pessoas são burras, e podem tomar as decisões erradas, e portanto vamos remover das pessoas o poder de tomar essa decisão".
Além do mais, tal como acontece hoje dia, a decisão continua a ser tomada, a diferença é que quem pode vai a Badajoz a uma clínica de "Tratamento da Gravidez" (vide anúncios nos classificados do Público) e quem não pode vai sabe-se lá aonde.

Cristina Rodo disse...

Pronto, pronto, já sabem como sou, não consigo impedir-me de cagar sentença também...
Eu cá voto sim.
Voto sim pela mesma razão pela qual votaria sim á legalização da prostituição, por exemplo...
Sou no entanto contra o aborto... e contra as putas...
Há coisas que sempre se fizeram e sempre se ão de fazer.
Já agora que se façam em condições...
Francamente, nunca ouvi falar de ninguém que tenha considerado fazer um aborto e não o tenha feito por ser proíbido. Se acabou por não o fazer foi com certeza por outras razões, e essas mantêm-se quer seja legal ou ilegal.
Morre muita gente, fica muita mulher estéril, por causa de abortos de vão de escada.
Acho que é só isso que a a legalização vai mudar. O ser legal não "obriga" ninguém... O resto consegue-se com sensibilização, educação, etc...
E quanto a homens/mulheres, direitos, poder de decisão, etc... acho que é outra conversa, não tem a ver com este voto.
Insistentementevossa
(LOL, era uma private joke, sorry)
Cricri

Cristina Rodo disse...

E já agora... alguém me explica porquê que a foto do Vasco aparece no post dele e a minha não???
Hein? Hein?

VMM disse...

Nota amigo NunoF,

...que considero a alinea 1) «neutra», pelo que não lhe atribuo assim grande peso na decisão.

Aí, continuando a concordar um pouco com o Mata, quanto à alínea 2), penso que a falta de consenso em determinadas questões e a subjectividade do «individualismo solitário» nestas matérias de consciência, a tornam tambám não elegível para «desempatar» ...

Sobra portanto como «desempate» a sempre reaccionária e divertida opção 3):

Dá-me mais galo o ar comunóide, pseudo-intelectual, com pelo no sovaco, crica mal lavada e falsamente moralista (mas pela amoral mais do que pela moral, curiosamente) das «NÃOS» do que o ar de Tiazoca que gosta sem dúvida de levar na bardanhasca e até fazia um abortozito das «SIM» ...

Abraço amigo: Vasco.