domingo, janeiro 07, 2007

Crítica literária

Visitei hoje o Museu da Electricidade. À saída, acossado pela minha turba esfaimada, dei de caras com um amesamento denominado “Amo.te Tejo”, onde serviam refeições, e não houve outro remédio senão sentar. Já tinha lido, em salas de espera de dentista, algo sobre esta cadeia de bares, a “Amo.te qualquer coisa”, propriedade de um rapaz de nome Pedro Miguel Ramos, tasqueiro de profissão e com o mérito reconhecível de partilhar o aconchego da bela Fernanda Serrano.

Como em todos os estabelecimentos que se querem trendy, a decoração era minimalista, preta e vermelha, a luz pouca, a farda das empregadas negra e a comida uma merda. Pedi uma francesinha que saiu tarde, tosca, de bife demasiado espesso, com o ovo estrelado cozido, sem picante e com um inexplicável sabor a manga no molho. Para francesinha, frequentava mais a Rue Saint-Denis do que o Faubourg Saint-Honoré. Lembrei com saudade o Capa Negra, ao Campo Alegre, no Porto ou o “Petit Ami”, no centro da Gaia velha, em que os empregados não são miúdas de preto, são morcões ali de Massarelos ou da Afurada, de bigode e jaqueta grená, às vezes com sebo nas unhas e tudo, mas em que a francesinha é uma experiência transcendental ao nível de uma noite de sexo tresmalhado ou de uma vitória do Sporting na Luz.

Para me distrair de tal desastre, fui folheando umas revistas que lá esperavam numa prateleira, dispostas em arrumados molhinhos, de berrante título “Amo.te® mag”. Ao princípio, pensei ser um catálogo do tipo “La Redoute”, mas mais fininho e mais confuso. Publicidade em forma de artigo intercalada com publicidade em forma de publicidade, com um lettering cursivo horroroso e um aspecto kitsch que nem o de uma gravata dos anos setenta.

A única coisa com um vago ar de texto que encontrei no meio daquela salganhada foram os editoriais, da autoria do tasqueiro ele próprio, com direito a foto com tromba de Enver Hoxha em dia de revista às tropas e tudo. E que nos dizia o Pedro Miguel de importante? Nada, mas há muito tempo que não me ria tanto. Passo a transcrever e a comentar.

Pois é… voltámos a surpreender! Novo ano, nova mag.” Ó que surpresa desagradável! E eu a pensar que tinha acabado em Dezembro!

Da vossa marca podem, como sempre, esperar o inesperado!” Como sejam francesinhas com sabor a manga, diria eu. O nosso homem tem uma obsessão verborreica com a novidade, a reinvenção, a surpresa e tal, numa linha hoje infelizmente muito em voga de que basta papaguear estes conceitos de forma totalmente desconexa de qualquer essência para se ser moderno, giro, pintaroloso e tudo o mais. Muito bem, inovem, mas “ivelhem” primeiro: que tal uma francesinha decente?

Reinventar, porque o amo.te é uma marca que vive de inovação constante, de experiências surpreendentes é fundamental manter a originalidade e, também com isso, obter mais visibilidade.” Reinventar não: inventar é o que tá a dar! O nosso tendeiro acabou de inventar a frase com dois verbos, a meio caminho entre o disléxico e o Saramago.

A amo.te Mag aparecerá renovada no próximo mês, com mais informação e leitura, apostando numa cultura que é a nossa, com a qual nos identificamos.” Quando desafiaram o Bocage a dizer três asneiras seguidas, ele soltou uma tirada deste género… Cultura? A sério? A cultura cerebralmente mais próxima da do Amo.te Mag é a cultura do bicho-da-seda, ainda assim animal de estofo excessivamente intelectual para não se enfadar com as banalidades dessa revista. E a mania que esta gentinha tem das apostas, como se estivesse a correr riscos de qualquer espécie. Só cá falta dizer que “aceitou o desafio” de parir aquela folha de couve. Aceitar o desafio está iiiinmensamente na moda. Acrescente-se que a do mês seguinte saiu uma bosta perfeitamente indistinguível da do mês anterior. A única parte menos má é que o moço, na sua singeleza, confessa que se “identifica”: "faute avouée est à demi pardonnée.”

E que dizer da seguinte: “Não escondemos a nossa existência, ela acontece porque acreditamos no valor do nosso trabalho, devido ao vosso interesse e incentivo e pela confiança financeira de parceiros que nos acompanham desde sempre, só assim é possível alimentarmos o nosso amor através da leitura.” Ó Pedro Miguel, que tal usares o pronome relativo “que” entre “existência” e “acontece”? Não era inovador? E por que raio é que havias de esconder a tua existência – à parte a revista ser uma treta, de tão ilegível e parola? E estás convencido, porventura, que tens o direito de desperdiçar o vocábulo “leitura”, aplicando-o ao Amo-te Mag?

Queremos continuar a ser egocêntricos, pois vivemos obcecados pela nossa marca…” Esta, acredito que seja verdadeira e com ela termino, se bem que muitas mais pérolas tivesse este rosário para contar.


O mal deste mundo vem de que dantes as tascas serviam bitoques e eram boas se estes soubessem bem e agora querem servir editoriais sem saber ler nem escrever e francesinhas sem saber cozinhar um ovo estrelado.

4 comentários:

VMM disse...

Bicuden,

Acho que é mais, gato escaldado desde os 13 anos, tem medo das evidências claras da ditadura iminente da idiotice e da buçalidade.

NunoF disse...

Mas tu vais comer uma francesinha em Lisboa?

Estarás porventura alcoolizado?
Atestado de estupefacientes (se sim, diz-me onde arranjaste!!).

Comer uma francesinha nessa desculpa para restaurante é equivalente a entrares no Café XL e pedires uma imperial e uma bifana. A verdadeira bifana é comida ou em Vendas Novas (como qualquer instruendo da E.P.A. aprende depressa!) ou então na bela da tasca no Rossio onde o óleo não é trocado há décadas e onde podes ouvir as melhores tácticas futebolísticas para o próximo jogo do SLB (que incluem invariavelmente a inclusão do Eusébio nos últimos 5 minutos para resolver a situação).

Porra, uma francesinha come-se no Porto! Ou quando muito na Póvoa, num tasco manhoso que nos meus tempos de alarve consumidor de calorias visitei, onde as ditas são servidas em tigelas de barro a borbulhar de molho que certamente brilhará no escuro tal a potência!

Recomendo vivamente a francesinha do Café Luso, essa vestusta instituição da Invicta, conhecida pelos habituées do Fasta, ou - num aperto temporal - no Capa Negra II no Campo Alegre, onde o ambiente consegue igualar o Edmundo ou a Trindade de outros tempos.

NunoF disse...

Gosto dos textos, mas verdade seja dita que me soa um bocado à Eduardo Prado Coelho.
Escolher palavras ou construções rebuscadas só porque as conhecemos é um bocado elitista não achas? Especialmente num
texto de ensaio.

E facilmente se cai no exagero.

Aqui vão alguns comentários, que espero construtivos...

"virtude dilutiva" - dilutiva não existe, quando muito "diluta" ou talvez "diluída". Mesmo assim é rebuscado q.b.

"acossado pela minha turba esfaimada" - quando temos que parar para perceber o sentido de parte de uma frase então isso perturba o fluir da leitura. Num blog então convida a clicar noutro sítio.

Para francesinha, frequentava mais a Rue Saint-Denis do que o Faubourg Saint-Honoré. - ouve lá, please, nem toda a gente teve o dúbio privilégio de ter uma educação francófona e de possuir as referências culturais que tu, a Cristina e o Paulo partilham.

Ou bem que fazes uma referência à cultura pop (i.e facilmente reconhecida), ou então, pôrra, já que estás a publicar na net, insere um link para referência.

Exemplo: "frequentava mais a Rue Saint-Denis do que o Faubourg Saint-Honoré "

Clicando nos links ficava logo a saber que 1) A Rue Saint-Denis é uma rua de putas, e 2) A Faubourg Saint-Honoré é das zonas mais chic de Paris, onde todas as lojas "da moda" têm uma boutique. Assim compreenderia em segundos, o sentido da tua frase, que era na realidade, que para comer francesinhas, a priori preferirias sempre uma tasca do que um restaurante da moda.

À conta de ter que andar a decifrar o sentido desta cena, não li o artigo todo e coloquei acima um comentário perfeitamente estúpido uma vez que disse exactamente o que escrevias mais abaixo no texto, revelando obviamente que não tinha lido todo o artigo.
As minhas desculpas.

Já agora para quem não sabe, na frase "com direito a foto com tromba de Enver Hoxha em dia de revista às tropas e tudo", o Ember Hoxha foi o ditador comunista residente da Albânia, até aos anos 80 (quinou em 1985).

"Da vossa marca podem, como sempre, esperar o inesperado!" - já que estavas a comentar o cliché óbvio, ao menos podias ter topado o plágio de um poema dos Descobrimentos do Manuel Alegre, que por sua vez foi buscar um frase de Heraclito: "Mas só quem espera, verá o inesperado". (mais Tegucigalpa que isto, meu caro, é impossível!)

Enfim o meu conselho, caso o admitas, é continuar a escrever, obviamente, e se manteres o estilo ao menos "linka" para definições (a Wikipedia é óptima para estas cenas). Ao menos trazes a cultura às massas!

Claro que nos podes chamar de "Filisteus!" e cagar para o assunto.

:-)

VMM disse...

Dass, NunoF...

Eu vou até à Marina de Cascais... tu passas a tarde/noite a escrever estas merdas?

No entanto acho que tocaste no ponto: Um gaijo se quer uma francesinha como deve ser ou vai à Rue Saint-Denis ou à Av dos Aliados, carago!

Mata: ganda Tóni !