
Para me distrair de tal desastre, fui folheando umas revistas que lá esperavam numa prateleira, dispostas em arrumados molhinhos, de berrante título “Amo.te® mag”. Ao princípio, pensei ser um catálogo do tipo “La Redoute”, mas mais fininho e mais confuso. Publicidade em forma de artigo intercalada com publicidade em forma de publicidade, com um lettering cursivo horroroso e um aspecto kitsch que nem o de uma gravata dos anos setenta.
A única coisa com um vago ar de texto que encontrei no meio daquela salganhada foram os editoriais, da autoria do tasqueiro ele próprio, com direito a foto com tromba de Enver Hoxha em dia de revista às tropas e tudo. E que nos dizia o Pedro Miguel de importante? Nada, mas há muito tempo que não me ria tanto. Passo a transcrever e a comentar.
“Pois é… voltámos a surpreender! Novo ano, nova mag.” Ó que surpresa desagradável! E eu a pensar que tinha acabado em Dezembro!
“Da vossa marca podem, como sempre, esperar o inesperado!” Como sejam francesinhas com sabor a manga, diria eu. O nosso homem tem uma obsessão verborreica com a novidade, a reinvenção, a surpresa e tal, numa linha hoje infelizmente muito em voga de que basta papaguear estes conceitos de forma totalmente desconexa de qualquer essência para se ser moderno, giro, pintaroloso e tudo o mais. Muito bem, inovem, mas “ivelhem” primeiro: que tal uma francesinha decente?
“Reinventar, porque o amo.te é uma marca que vive de inovação constante, de experiências surpreendentes é fundamental manter a originalidade e, também com isso, obter mais visibilidade.” Reinventar não: inventar é o que tá a dar! O nosso tendeiro acabou de inventar a frase com dois verbos, a meio caminho entre o disléxico e o Saramago.
“A amo.te Mag aparecerá renovada no próximo mês, com mais informação e leitura, apostando numa cultura que é a nossa, com a qual nos identificamos.” Quando desafiaram o Bocage a dizer três asneiras seguidas, ele soltou uma tirada deste género… Cultura? A sério? A cultura cerebralmente mais próxima da do Amo.te Mag é a cultura do bicho-da-seda, ainda assim animal de estofo excessivamente intelectual para não se enfadar com as banalidades dessa revista. E a mania que esta gentinha tem das apostas, como se estivesse a correr riscos de qualquer espécie. Só cá falta dizer que “aceitou o desafio” de parir aquela folha de couve. Aceitar o desafio está iiiinmensamente na moda. Acrescente-se que a do mês seguinte saiu uma bosta perfeitamente indistinguível da do mês anterior. A única parte menos má é que o moço, na sua singeleza, confessa que se “identifica”: "faute avouée est à demi pardonnée.”
E que dizer da seguinte: “Não escondemos a nossa existência, ela acontece porque acreditamos no valor do nosso trabalho, devido ao vosso interesse e incentivo e pela confiança financeira de parceiros que nos acompanham desde sempre, só assim é possível alimentarmos o nosso amor através da leitura.” Ó Pedro Miguel, que tal usares o pronome relativo “que” entre “existência” e “acontece”? Não era inovador? E por que raio é que havias de esconder a tua existência – à parte a revista ser uma treta, de tão ilegível e parola? E estás convencido, porventura, que tens o direito de desperdiçar o vocábulo “leitura”, aplicando-o ao Amo-te Mag?
“Queremos continuar a ser egocêntricos, pois vivemos obcecados pela nossa marca…” Esta, acredito que seja verdadeira e com ela termino, se bem que muitas mais pérolas tivesse este rosário para contar.
O mal deste mundo vem de que dantes as tascas serviam bitoques e eram boas se estes soubessem bem e agora querem servir editoriais sem saber ler nem escrever e francesinhas sem saber cozinhar um ovo estrelado.
4 comentários:
Bicuden,
Acho que é mais, gato escaldado desde os 13 anos, tem medo das evidências claras da ditadura iminente da idiotice e da buçalidade.
Mas tu vais comer uma francesinha em Lisboa?
Estarás porventura alcoolizado?
Atestado de estupefacientes (se sim, diz-me onde arranjaste!!).
Comer uma francesinha nessa desculpa para restaurante é equivalente a entrares no Café XL e pedires uma imperial e uma bifana. A verdadeira bifana é comida ou em Vendas Novas (como qualquer instruendo da E.P.A. aprende depressa!) ou então na bela da tasca no Rossio onde o óleo não é trocado há décadas e onde podes ouvir as melhores tácticas futebolísticas para o próximo jogo do SLB (que incluem invariavelmente a inclusão do Eusébio nos últimos 5 minutos para resolver a situação).
Porra, uma francesinha come-se no Porto! Ou quando muito na Póvoa, num tasco manhoso que nos meus tempos de alarve consumidor de calorias visitei, onde as ditas são servidas em tigelas de barro a borbulhar de molho que certamente brilhará no escuro tal a potência!
Recomendo vivamente a francesinha do Café Luso, essa vestusta instituição da Invicta, conhecida pelos habituées do Fasta, ou - num aperto temporal - no Capa Negra II no Campo Alegre, onde o ambiente consegue igualar o Edmundo ou a Trindade de outros tempos.
Gosto dos textos, mas verdade seja dita que me soa um bocado à Eduardo Prado Coelho.
Escolher palavras ou construções rebuscadas só porque as conhecemos é um bocado elitista não achas? Especialmente num
texto de ensaio.
E facilmente se cai no exagero.
Aqui vão alguns comentários, que espero construtivos...
"virtude dilutiva" - dilutiva não existe, quando muito "diluta" ou talvez "diluída". Mesmo assim é rebuscado q.b.
"acossado pela minha turba esfaimada" - quando temos que parar para perceber o sentido de parte de uma frase então isso perturba o fluir da leitura. Num blog então convida a clicar noutro sítio.
Para francesinha, frequentava mais a Rue Saint-Denis do que o Faubourg Saint-Honoré. - ouve lá, please, nem toda a gente teve o dúbio privilégio de ter uma educação francófona e de possuir as referências culturais que tu, a Cristina e o Paulo partilham.
Ou bem que fazes uma referência à cultura pop (i.e facilmente reconhecida), ou então, pôrra, já que estás a publicar na net, insere um link para referência.
Exemplo: "frequentava mais a Rue Saint-Denis do que o Faubourg Saint-Honoré "
Clicando nos links ficava logo a saber que 1) A Rue Saint-Denis é uma rua de putas, e 2) A Faubourg Saint-Honoré é das zonas mais chic de Paris, onde todas as lojas "da moda" têm uma boutique. Assim compreenderia em segundos, o sentido da tua frase, que era na realidade, que para comer francesinhas, a priori preferirias sempre uma tasca do que um restaurante da moda.
À conta de ter que andar a decifrar o sentido desta cena, não li o artigo todo e coloquei acima um comentário perfeitamente estúpido uma vez que disse exactamente o que escrevias mais abaixo no texto, revelando obviamente que não tinha lido todo o artigo.
As minhas desculpas.
Já agora para quem não sabe, na frase "com direito a foto com tromba de Enver Hoxha em dia de revista às tropas e tudo", o Ember Hoxha foi o ditador comunista residente da Albânia, até aos anos 80 (quinou em 1985).
"Da vossa marca podem, como sempre, esperar o inesperado!" - já que estavas a comentar o cliché óbvio, ao menos podias ter topado o plágio de um poema dos Descobrimentos do Manuel Alegre, que por sua vez foi buscar um frase de Heraclito: "Mas só quem espera, verá o inesperado". (mais Tegucigalpa que isto, meu caro, é impossível!)
Enfim o meu conselho, caso o admitas, é continuar a escrever, obviamente, e se manteres o estilo ao menos "linka" para definições (a Wikipedia é óptima para estas cenas). Ao menos trazes a cultura às massas!
Claro que nos podes chamar de "Filisteus!" e cagar para o assunto.
:-)
Dass, NunoF...
Eu vou até à Marina de Cascais... tu passas a tarde/noite a escrever estas merdas?
No entanto acho que tocaste no ponto: Um gaijo se quer uma francesinha como deve ser ou vai à Rue Saint-Denis ou à Av dos Aliados, carago!
Mata: ganda Tóni !
Enviar um comentário