sábado, maio 12, 2012

EUA (VI) – Aprendendo com as paredes


Escreveu Paul Simon, que bem cantou as esperanças e as agruras do sonho americano, que as palavras dos profetas estão escritas nas paredes do metro e nos átrios dos prédios de subúrbio. Mas não só... Passeando pela América fui lendo pelas fachadas e tabuletas.


Alexander Hamilton possuía uma granja onde fica hoje o bairro Hamilton Heights, sobre uma colina no noroeste de Manhattan. Em 1889, já Hamilton morrera com um balázio após duelo entre cavalheiros teimosos, a Igreja Episcopal de São Lucas adquiriu o terreno e construiu aí um templo. A granja desceu a rua 141 até lá abaixo, depois voltou a subir até meio da ladeira onde se encontra hoje. Na janela da igreja, alguém, ou talvez o fantasma do próprio Hamilton, colou um papel dizendo:

- A democracia... É o governo de todos para todos. 

A frase é aqui atribuída a um Theodore Parker mas podia ser de qualquer um com dois dedos de testa. Ainda assim, um excelente – e muito necessitado – lembrete.



No Rose Center do Museu de História Natural de Nova Iorque, três painéis com bastante matéria para reflexão.

Primeiro, com Aristóteles, estávamos no centro do universo. Depois, com Copérnico, deixámos de estar. Com os vários que descobriram e teorizaram o “big bang”, voltámos a estar, porque tudo é o centro. Por isso, temos o filme completo, do sempre e do todo, à frente dos nossos olhos. Isso devia-nos imbuir de alguma responsabilidade.

 Absolutas só as leis da física, o livrinho de instruções que vem com o produto cósmico. Outras leis, como as do bom senso ou do mercado, por exemplo, são invenções, quando não grilhetas.

Se Deus existe, deixou-nos assunto suficiente para nos maravilharmos e não ter que pensar muito Nele. Se não existe, a maravilha continua aí e não precisamos de procurar o sentido da vida em gurus ou clérigos. Bem escrevia Shakespeare que há mais coisas no céu e na terra do que aquelas que a nossa filosofia pode sonhar.


A St. Paul’s Chapel é o mais antigo edifício de Nova Iorque e sobreviveu milagrosamente à queda das vizinhas torres gémeas. Na altura tornou-se pela proximidade base de apoio dos socorristas e hoje exibe um memorial dos dias e do modo em que pessoas se arriscaram para salvar pessoas. Este testemunho, de um colega engenheiro, recorda como podemos ser grandes perante a adversidade mas lembra também como podemos voltar a ser pequenos com toda a facilidade.


 Não basta dar por frete, deve-se dar generosamente. Ironicamente, como se pode ler no baixo da plaquinha, a igreja matriz fica em Wall Street. A do mundo em que vivemos, também.


 No frontispício do tribunal de Nova Iorque, lê-se que a verdadeira administração da justiça é o mais firme dos pilares de um bom governo. Não um dos. O. Como em Portugal bem sabemos, não é?


No Central Park, recomenda-se: não alimentar a vida selvagem. Desde 2008 que não fazemos outra coisa.


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Tirada no Museu do Ar e do Espaço em Washington. Tsiolkovsky viveu numa época em que não existia ainda tecnologia para dar corpo às suas ideias, mas esta frase é de quem não tem dúvidas que elas vingariam. Exactamente o contrário do cepticismo, que continua a ser a única coisa que nos puxa para baixo com mais força do que a gravidade.

 

A célebre frase de Kennedy, aqui gravada na pedra em frente ao seu túmulo no cemitério de Arlington. Em Portugal tem-se desvirtuado muito esta tirada, associando-a abusivamente a sacrifícios para sair da crise, como se Kennedy estivesse a falar de economia. Mas a frase é sobre a liberdade, coisa muito mais importante do que a economia, para ele que não para muitos. 


Assim, deste tamanhão, para entrar pelos olhos adentro, na avenida da Constituição em Washington, mesmo em frente ao Capitólio, não se vão os representantes do povo esquecer. Que tal uma destas na rua de S.Bento? Ou à porta do XL?


No monumento a Lincoln, o “Gettysburg adress”, momento belíssimo, já aqui referido.


“Cartoon” no museu de História Americana. Na essência da democracia vive a escolha e a escolha faz-se entre alternativas. Dizer que “não há alternativa” subsume-se a dizer que não há democracia. Tão simplesmente quanto isto.

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