sexta-feira, setembro 14, 2007

Chinesices

À Dra. Maria José Nogueira Pinto, conhecida no abafado meio político nacional pelo “petit nom” de Zézinha, deu-lhe uma de “arbeit macht frei” e vai de propor arrebanhar as lojas chinesas de Lisboa e pô-las todas num “Chinatown”. Tudo por via administrativa.

Fiquei de olhos em bico.

Quando os chineses decidem ir todos morar para o mesmo sítio, forma-se um bairro chinês. Quando os chineses (ou os uruguaios, ou os minhotos) são obrigados por um Estado a morar no mesmo sítio, a coisa chama-se um gueto.

Embora a Zézinha tenha a atenuante de partilhar as noites com um dos expoentes do “soft”-salazarismo português, correndo o risco de apanhar ideias estranhas por osmose, surpreende-me ainda assim a extensão da asneira. Que a Zézinha, que sempre foi de algum modo funcionária pública, ache que o Estado tem o direito de obrigar as pessoas a abrir as suas lojas onde ele acha melhor, ainda percebo. Isto, apesar de ela militar por um partido teoricamente de um liberalismo todo “escola de Chicago”. Que a Zézinha ache que essa obrigação possa derivar de um factor étnico, e que não compreenda que isso é racismo no seu pior, já me custa a crer, na minha santa ingenuidade.


A aversão ao estrangeiro, ao outro que nos rouba o pão, continuará a fazer mossa por aí, apesar das teses contrárias dos economistas teóricos e das estatísticas contrárias do Instituto Nacional de Estatística. Atente-se na Zézinha, que deixa escapar dislates daquele calibre enquanto vai reconhecendo o jeito que lhe dá comprar pilhas AA e lenços de papel na loja do Sr. Chang, provavelmente sem se dar à antipática maçada de pedir factura.

Tucídides relata um elogio da Democracia que Péricles pronunciou durante uma cerimónia fúnebre aos mortos da Guerra do Peloponeso. É um texto que deveria ser lido todos os dias em voz alta na Assembleia da República, nas autarquias, nos restaurantes da Rua de S.Bento e noutros locais de reunião da nossa paupérrima classe política, a ver se encornavam alguns valores básicos.

Nesse elogio, entre muitas outras coisas, diz Péricles sobre os estrangeiros em Atenas: “Somos também superiores aos nossos adversários na nossa preparação para a guerra no seguinte aspecto: mantemos nossa cidade aberta a toda a gente e nunca, por actos discriminatórios, impedimos alguém de conhecer e ver qualquer coisa que, não estando oculta, possa ser vista por um inimigo e ser-lhe útil. A nossa confiança baseia-se menos em preparativos e estratagemas do que na nossa bravura no momento da acção.”

A Democracia baseia-se em cidades abertas a todos, não em mundos fechados. Que faria Péricles no lugar da Zézinha? Provavelmente exigiria meramente das lojas chinesas que cumprissem as leis da República relativas à sua actividade, e nunca entraria em tontices baseadas na cor da pele ou no ângulo de fecho das pálpebras. Mas por isso é que Péricles ficou para a História, enquanto a Zézinha se ficará pela histeria.

2 comentários:

Cristina Rodo disse...

Olhe, desculpe a ingnorancia... mas o que quer dizer "encornar" ("encornavam alguns valores básicos") Isto para além do óbvio, claro está...

CMata disse...

"Encornar" quer neste caso dizer meter nos "cornos", ou seja na cabeça. É o mesmo que "empinar". Dizia-se nos tempos de estudante: "vou ter que encornar aquela matéria toda".

A utilização da palavra "encornar" permite neste caso não só dar-lhe o sentido acima referido (função principal), como também chamar "corno" aos nossos políticos (função secundária, eh!eh!).

A palavra não têm portanto a ver com o sentido popular que descreve uma atitude condenável que as mulheres têm por vezes para com os homens que tão bem as tratam e aos pés dos quais elas se deviam prostrar.

Esclarecida?