sábado, maio 08, 2010

S.M.I.L.E.

Todos os anos, a associação de alunos do Liceu Francês de Lisboa, minha escola de sempre, a quem confiei os meus filhos para que se lhes dessem umas luzes, organiza um espectáculo de beneficência. Chama-se S.M.I.L.E. Nunca falto. Ignoro o que significa a sigla, se é que algo se esconde por trás daqueles pontos. Sei que a entrada custa um euro e a fatia de bolo um euro e o copo de plástico a desbordar sumo um euro também. No final, na caixa, não muito dinheiro, mas que sempre dará algum jeito no Camboja, destino tradicional da colecta, por razões que já se perderam no tempo.


Smile, portanto.


Ao palco, cada um traz o que sabe, mesmo que não saiba. Uns tocam, por vezes mal. Canta-se, desafina-se também, esganiça-se a espaços. Dança-se, entre o síncrono e o assíncrono. Crianças trazem pequenos “sketches” com vozes e poses de crianças. Em anos, exibem-se artes marciais. Noutros, concursos de teatro. Os microfones falham e quando não falham as apresentadoras falam para a frente e para o lado, deixando cair palavras ao chão. Vai-se percebendo. Ora não se ouvem os instrumentos, gerando-se protestos de silêncio na sala, ora as colunas distorcem, lançando mãos aos ouvidos. Com tudo isto, um dos maiores espectáculos do mundo.


Smile, relembro.


Desde o palco, dá-se. Na plateia, recebemos. Lá em cima, vence-se a verdura dos anos, vence-se a vergonha de encarar uma sala cheia, vence-se o riso que espreita, dobra-se a falta de tempo de ensaio. Cá em baixo, os amigos não se importam, ululam, aplaudem, comungam, vivem, agitam isqueiros e telemóveis iluminados. Uma rapariga entoa o “Summer of 69”: “those were the best days of my life”. São, de facto. E nós, os mais velhos, temos saudade da generosidade, da intensidade, da urgência, do riso sem mácula e do beijo que num recanto escuro da sala dois corpos ainda não acabados trocam, com um enlace como se fosse o único, com uma sofreguidão como se fosse o último. Saudade é uma palavra simpática para inveja.


Smile, dizia.


A alegria, por muito que esfuzie, não esquece. Há uma semana viveram a dor da morte de um colega, mas não deixaram de o levar à festa. Um amigo, que com ele tocara no passado, fecha o espectáculo tocando em sua memória uma música dos Radiohead, que certamente ouviram lado-a-lado. Uma moça, quase pequena para a guitarra que segura, dedica-lhe com voz hesitante uma das músicas que interpreta e que compôs. Fala de um bom rapaz que foi e do sentimento dos que ficaram: “free falling”. Acabado o seu momento, com um cantar certinho, desce os degraus laterais, sai para o fundo da sala e chora em sossego.


Smile, tá certo.


O espectáculo termina, como sempre, com todos ao estrado, para um último coro, um derradeiro aplauso, um abraço que vai de uma cortina à outra.


Por coincidência, tenho um amigo inquieto que parte amanhã para o outro lado do mundo, julgo que para ver gente feliz. Procuramos sempre longe à brava aquilo que sobeja à nossa porta.


Smile, já disse!

1 comentário:

Cristina Rodo disse...

Pois... a galinha da vizinha dá mais leite do que a minha... ;)