
Tempos depois, calhou a minha mãe dizer-me: “Já sei quem aquele actor de quem vocês falavam. Vi-o numa revista no médico. É assim parecido contigo”. Achei piada à comparação e mais à generosidade estética, embora tivesse ficado inquieto sobre a evolução da sua miopia. Mas não haja dúvida, mãe é mãe e o meu macaquinho é sempre o mais bonito. E vou de contar esta história numa roda de amigos e amigas. Entre estas últimas, a reacção foi espectacular, como se eu tivesse desrespeitado o nome de profeta numa convenção de fundamentalistas islâmicos ou insultado o Pinto da Costa numa rua da Afurada. Uma delas, mais devota de S.Brad, esteve mais de cinco minutos a gargalhar da heresia, as lágrimas grossas correndo-lhe cara abaixo até lá se conseguir controlar. Pela noite fora, de cada vez que se lembrava, soltava um risito histriónico, quase arrelinchado.
A história acabou por ganhar contornos de anedota no nosso grupo de amizades e voltou à baila no aniversário que acima referi, para gáudio dos convivas. Dizia-me uma das comensais: “o teu ego aguenta bem esta paródia”. Poderia ter respondido, com a propósito: “não só aguenta com em boa verdade se está a cagar”. De facto, desde a minha já remota adolescência que não me preocupo se o nariz isto, ou os dentes aquilo ou o queixo assado. Neste campo das lindezas ou fealdades, valho-me de duas tiradas do Cristo nazareno: “eu sou aquele que sou” e “quem me ama que me siga”. E tem chegado.
Este frenesim à volta da gireza que patenteiam as minhas amigas que, por muito que lhes custe e não queiram, caminham a passos sorrateiros para serem senhoras de meia-idade, apesar de se julgarem gaiatas, conta-nos muito sobre a natureza feminina. Por isto, valerá a pena dissecarmos aqui o conceito subjacente de “tipo giro”, seus fundamentos e utilidade, não só isoladamente, como por oposição ao seu anti-simétrico entre os homens: “a gaja boa”.

Já a gaja boa é um universal, um conceito com uma abrangência larga mas muita precisa, e que não tem qualquer valoração positiva. A gaja boa não está no topo de nenhuma escala, antes pelo contrário. Na verdade, os homens abordam as mulheres de uma forma muito mais utilitária, na linha da escola de pensamento anglo-saxónica do século XVIII, onde o que interessa são os resultados e a maximização da felicidade. Consequentemente, a gaja boa corre até o risco de ficar sozinha, como se demonstra na teoria dos jogos: num grupo, os rapazes, julgando que a gaja boa poderá ter muitos pretendentes exactamente por ser boa, atacarão antes alvos secundários, tidos por menos difíceis. Se todos pensarem igual, deixarão a boa a chuchar no dedo.
Tal como o universal “brancura” admite múltiplas materializações (a cor creme do leite, a alvura do papel almaço, o reflexo azulado da neve, o rosa pálido de uma pele clara, o multicromatismo de uma medina à torreira do sol), também o universal “gaja boa” se aplica a muitos tipos diferentes de mulher – mas desde que sejam boas. Esta latitude conceptual causa-lhes a elas dificuldades de entendimento, já que “tipo giro” é uma noção muito mais estreita. Recordo-me, por exemplo, do seguinte diálogo em que a namorada de um colega, algo picada por este se ter referido a uma fulana como sendo boa, se amofinava:
- Mas boa como? Que queres dizer com isso? É alta, é magra?
- Nem alta, nem magra: é boa.
- Sim, mas é gorda, é magra?
- Nem gorda, nem magra, é boa.
- Não estou a perceber.
E ele, virando-se para outro colega:
- Ó Zé, tu percebes?
- Eu percebo: é boa.
A gente percebe.

Em suma, e entrando numa alegoria gastronómica, elas comparam o tipo giro ao néctar e à ambrósia dos deuses do Olimpo, alimentos mitológicos, enquanto, para eles, a gaja boa funciona como o prosaico tremoço dos pires das cervejarias: uma delícia na ocasião certa, mas cuja ausência não impede que se beba uma bojeca e se fale de futebol.
Contrariamente ao que seria de esperar e ao que a sabedoria convencional enuncia, esta diferença de comportamentos amplifica-se com a idade. Na adolescência, ainda os rapazes tem umas urgências secretas pela boazona do colégio, mas isso passa-lhes com o início da vida sexual. As mulheres, mesmo já feitas, vão suspirando pela vida fora. O mito de que os homens pensam com a cabeça da gaita será genericamente falso e só não se aplica com mais propriedade às senhoras por manifesta incompatibilidade anatómica.
No inverno anterior, fui a Nova Iorque em trabalho com um grupo de meia dúzia de pessoas. Ao final da tarde, passeámos na quinta avenida após uma reunião de várias horas. Diante da Abercrombie and Fitch, uma loja de roupa da moda, dois tipos giros descalços e de tronco nu, apenas de “jeans”, a melena sobre a testa e os pelos das axilas rapados, convidavam a entrar e disponibilizavam-se para uma fotografia com as clientes. Para nossa surpresa, a única senhora do grupo, uma recatada e muita casada economista, sempre de discretos “tailleurs” cinza, esvoaçou para o meio dos rapazes, saltitante e risonha, pedindo que se lhe tirássemos um retrato. Só se perturbou quando o fotografante, advogado de profissão e por isso useiro em frases assassinas, lhe perguntou, ainda de telemóvel em punho: “mando para quem, para o teu marido?”
Não imagino nenhum dos homens deste mesmo grupo a perder a compostura se, mais à frente, outra loja ostentasse duas boazudas em “topless” para atrair a clientela. Ainda se fosse por uma traulitada, talvez alguém pesasse prós e contras. Mas por uma fotografia…

Outras resignam-se e é vê-las, sussurrando e suspirando nos jantares pelos Pitts e pelos Nespressos, dependuradas do braço de carecas e narigudos, gordos e vidrinhos, enrugados e barrigudos, enfim, tipos vulgares de Lineu.
Deus não dorme, não haja dúvida.
6 comentários:
Ksss! Ksss!!!
(deixo outros comentários para o público maduro-feminino, que estou certo não tardará a se manifestar...)
Ó Carlinhos... deixa lá, não fiques assim... eu, apesar de não ser tua mãe, acho-te muito parecido com o DeNiro... sobretudo nesta foto... (http://www.imdb.com/media/rm3059517952/nm0000134)
Para mim, quem merece a medalha de "Grande Personalidade" é o Sr. Rick Ocasek...
;-)
Leva lá a bicicleta... ;)
1º - quem tem uma Mãe tem tudo...
2º - o que vale é que avisas à partida que se trata de um post machista e incoveniente - como não és estupido sabes muito bem o que isso quer dizer e não vale a pena explicar-te
3º - o que te safa é a tua imparcialidade e capacidade de distrinça quando te referes ao glorioso Sporting e o rasteiro Benfica.
4º - acredites ou não, pela parte das "maduras" a coisa não é nada assim: se a gaja boa é como o prato de tremoços (tu lá sabes...) o gajo giro é como um dia na praia
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