quinta-feira, agosto 26, 2010

Férias I : O segundo princípio da termodinâmica

Faz uns anos, adquiri no castelo de Santiago do Cacém uma pequena monografia da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, grémio mais que centenário, da autoria de um António Martins Quaresma, intitulada “Porto Covo – um exemplo de urbanismo das Luzes”.


Por ela descobri que Porto Covo, onde há mais de vinte anos veraneio, é das poucas terras portuguesas que nasce da ideia de um homem, Jacinto Fernandes Bandeira, plebeu ligado ao Marquês de Pombal que no final do século XVIII principia uma povoação num lugarejo que continha apenas quatro fogos. Jacinto Bandeira mandou desenhar um plano para a nova aldeia, com uma traça rectilínea entre duas praças principais, uma das quais corresponde ao actual Largo, com projectos de equipamentos sociais em localizações pré-definidas, numa organização racional típica do modo iluminista de pensar da época. Em 1805, Jacinto Bandeira recebe da Coroa o título de Barão de Porto Covo. Numa curiosa injustiça, existe apenas hoje na terra uma rua Conde Bandeira, homenageando um sobrinho e não o fundador.


O Porto Covo que se desenvolveu posteriormente só em parte cumpriu as intenções que o arquitecto Henrique Guilherme de Oliveira deixou estabelecidas nas plantas que hoje repousam na Torre do Tombo. Mas ainda assim a aldeia que eu conheci nos anos oitenta, aí pela altura da malfadada canção do Rui Veloso, mantinha uma coerência e uma graça muito particulares, com o seu casario branco tarjado de azul escorrendo até à arriba em perfeito alinhamento.


Hoje, um estudo arquitectónico sobre Porto Covo teria forçosamente que se chamar “um exemplo do urbanismo das trevas”. A área a construir decuplicará o tamanho natural da terra, estoirando a capacidade das praias e dos comércios que, vivendo do mês de Agosto, não se podem eles expandir. Dois parques de campismo anárquicos garantem ruas entupidas e filas na padaria dignas dos melhores tempos romenos de Ceausescu. Há casas de xisto, outras de tijolo à vista, outras, gongóricas e de janelas ovais, com pretensão a missão católica no Novo México. Junto à Praia Grande um paralelipípedo de betão e vidro, uma Sizada, cercado de estacas pintadas de branco. Resumindo, todas as parolices novo-ricas que possam imaginar, com alumínios e cerâmicas. Gruas erguem-se, erguendo condomínios dependurados sobre o alcatrão da estrada, sôfregos por cada metro quadrado. Os lotes ainda vazios acumulam o entulho dos lotes já preenchidos e o lixo que a nossa crónica falta de civismo por lá vai largando. Nos passeios, abandonados pela autarquia, cresce matagal amazónico que obriga o transeunte a andar pelo meio da rua, sujeito à passa dos aceleras que fulminam de Seat Ibiza vermelho, os baixos ribombando junto às almofadas do vidro traseiro.



Um dos erros trágicos da revolução foi a carta de alforria que se deu às autarquias para licenciar. Poder a mais sem contra-poder. Temos hoje um país desfeado e desfigurado, liderado por construtores de meia-tijela, que ganham construindo e portanto destruindo.


Mas que isto assim seja quando nada se faz para contrariar já eu devia saber desde o segundo ano do Técnico, quando tive que empinar que a energia num sistema fechado se ajusta de modo a tornar a entropia tão grande quanto possível, no mais aleatório dos macro-estados.