Ah, but those tears are pearl which thy love sheds,
and they are rich, and ransom all ill deeds.
William Shakespeare, in "Sonnets"
No entretanto, Obama foi reeleito presidente dos Estados
Unidos, para um certo alívio da humanidade, por peculiar que este sentimento
posso parecer. Afinal, nos últimos quatro anos, o mundo descobriu que Obama não
era um profeta de uma nova era mas apenas mais um homem aos comandos da
máquina imperial, capaz de mandar os
“marines” executar um inimigo ou de jogar o jogo de cintura para obter
meios-acordos na câmara dos representantes.
E o seu adversário até parecia menos básico que a memória do Bush filho.
Ainda assim, quando nas madrugadas por esse mundo fora as televisões foram
anunciando a vitória de Obama, o planeta suspirou:
- Uff!
Eu explico isto de uma forma simples. Acho que estamos todos
a precisar de alguma esperança no meio deste pântano todo onde soçobram
expectativas e poupanças, para além de valores. Quando o barco foi ao fundo, o
que interessa ao náufrago no meio da tormenta é se aquilo a que se está a
agarrar é bóia que o sustenha ou âncora que o afunde. E se boiar, tanto se lhe
dá que seja madeira ou esferovite. Por isso, visto do lado de cá do Atlântico,
onde nos vão dando blocos de cimento a que nos agarrar, Obama faz figura de
jangada.
Estive uma vez num curso sobre liderança em que o monitor
começou por exemplificar o contrário de liderança:
- Imaginem que alguém chegava e dizia “Isto vai ser uma
coisa horrível, mas sigam-me!”. Qual de vocês ia atrás dele?
Esta é uma lição simples que não chega aos ouvidos e às
mentes ortonormadas de quem hoje manda na Europa e em Portugal. Já do outro
lado, há um líder que sabe que um dos seus papéis é o de manter a chama viva,
como os guardiões do fogo das tribos pré-históricas. Tal é bem explícito no seu
discurso de vitória, inflamado, comungante e prenhe de esperança. Obama é um
grande orador, espécimen raro numa era de comunicados oficiais e alheamento das
massas. A sua conversa não é a da inevitabilidade da desgraça mas a da
possibilidade do sucesso, por difíceis que sejam os tempos, se a luta da vontade
individual for respaldada pela solidariedade colectiva. E verdade se diga que
alguma coisa ele fez desde 2008: salvou indústrias inteiras e muito emprego pela
intervenção do Estado, coisa só aparentemente tabu na América; conseguiu uma
reforma do apoio social à saúde que meia dúzia de presidentes anteriores
tentaram e não conseguiram; manteve a economia à tona e a crescer; e voltou a
pôr os Estados Unidos no mapa civilizacional de onde Bush os tinha apagado.
No dia seguinte à eleição, Obama proferiu outro discurso,
mais curto, nas instalações da sua candidatura, dirigido aos voluntários que
por ele fizeram campanha, sobretudo jovens, agradecendo o seu trabalho. Comparou
os jovens que eles são com o jovem que ele foi e as perspectivas de ambos e
comoveu-se, chorando umas lágrimas. Estas lágrimas, que não tenho dúvidas
quando as vejo que são genuínas, são uma
declaração política fundamental nos tempos que correm. Se os outros nos
emocionarem, talvez entendamos o caminho, talvez façamos qualquer coisa. Os
outros, cada um dos outros, as pessoas, têm que estar no centro da acção
colectiva. Obama disse-o com palavras no discurso de vitória, nomeando exemplos
individuais, mas disse-o com lágrimas no dia seguinte. E as palavras,
especialmente se ditas na euforia de um circo eleitoral, podem ser mentirosas;
as lágrimas, mais dificilmente.
Claro que para os menos atentos – para ser suave – o que eu estou a dizer é uma mariquice – outra vez suave. Quando vi o vídeo da alocação de Obama aos jovens da sua campanha foi no “site” do “Le Monde”. Claro que logo no primeiro comentário, mais abaixo na página, o inevitável franciú anónimo gozava com o “espectáculo teatral patético”. Eu, que conheço bem os franceses, sei que o excesso de cartesianismo pode facilmente resvalar para uma patetice endógena. E esta minha apreciação vale a quem a ela se candidate, independentemente da nacionalidade.
Somos ensinados de pequenos que os homens não choram. Na
realidade só o Homem é que chora. A lágrima, como o riso, são nossas marcas
exclusivas. Na sua forma mais pura, são os dois vectores com que se pode
construir o plano da nossa inteligência.
1 comentário:
A Cristina tem razão, tens de pôr aqui um botão de Like.
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