terça-feira, novembro 08, 2011

Exposição fotográfica (XXXVI)

 Longo passeio no Porto, a 28 de Novembro de 2010

Pousada do Freixo à noite


 Pousada do Freixo de manhã


 
 As pontes sobre o Douro


 Lendo o jornal na Ribeira


 O tacho da Alzira, na Ribeira


 Ruelas na Ribeira

 





Adegas Calém
 Um bocado a puxar para o postal


Ponte D.Luís vista de Gaia

Só no Porto para darem tal nome...


Ave de rapina


Debaixo da capa, o segredo!


Francesinhas, o pitéu nortenho por excelência!

Férias (IX) – Terceira leitura

O Verão prolongou-se inesperadamente para além das férias estivais e com ele o último “post” sobre as férias. Vindas as primeiras chuvas, há que fechar este capítulo. E já tarde vai.

Contei antes sobre a primeira e segunda leituras dos meus vinte dias a banhos. A terceira deu-se num formato impróprio para praia, um tijolo de setecentos páginas, de capa dura, rebolando permanentemente na areia por acidente: uma “História de Portugal” coordenada por Rui Ramos e escrita pelo próprio, por Bernardo Vasconcelos e Sousa e por Nuno Gonçalo Monteiro. Mau grado o desconforto que o calhamaço provocava, acabou por ser a leitura mais proveitosa das minhas férias e também dos últimos tempos e também muito a propósito destes últimos tempos de permanente negrume nas notícias, nas políticas, nas mentes.

Eu já lera antes outros livros com o mesmo título e o mesmo difícil objectivo: condensar nuns centos de páginas mais de mil anos de vida daquilo que veio a ser e foi Portugal. E o que me desconcertou neste livro foi a sua novidade. Os autores pegaram num tema batido que eu petulantemente pensava que conhecia e pela selecção dos factos que consideraram mais relevantes, pela escolha de números que lhes pareceram mais indubitáveis, pela crítica por vezes mais desprendida do que correu bem e correu mal, acabam por construir uma panorâmica da nossa história diferente da que nos foi despachada na escola e narrada por outros compêndios.

Só marginalmente me deveria surpreender, porque aí reside uma das riquezas da História: é que ela não é só uma, são muitas.

Tal nova visão talvez resulte do facto de ser a primeira obra deste tipo escrita por historiadores que se formaram já após o 25 de Abril e que por isso estão menos presos a reverências ou falta delas para com eventos ou regimes que, à “esquerda” ou à “direita”, tiveram a simpatia dos que os precederam nessa empreitada de escrever uma “História de Portugal”. Por isso, ao afastarem-se do monolitismo com que certos temas tinham quase obrigatoriamente que ser tratados em gerações anteriores, ao introduzirem matizes no que antes só se ensinava a preto e branco, acabam por formular uma imagem mais rica, mais iconoclasta, mais indutora de reflexão que noutras obras semelhantes que eu já lera. E como cereja em cima do bolo, permitindo retirar lições oportunas para encarar o momento de aperto pelo qual Portugal passa hoje – ou não fosse esse um dos objectivos de conhecer a História.

Na escrita, Rui Ramos, que trata o período contemporâneo (das invasões francesas até ao presente), supera claramente os seus dois colegas. Com uma noção muito mais clara de que divulgar História passa por contá-la e não por dissertá-la, sem medo de usar a anedota ou a “petite Histoire” para ilustrar um período ou vincar um argumento, sem complexos sobre a necessidade de documentar em excesso, escreve sobre o tema como os ingleses, que se lêem bem apesar de pedantes, e não como os franceses, que são uns chatos encartados porque pedantes.

Para dar exemplo de uma visão diferente sobre ideias feitas antigas, está o tratamento que se dá ao período filipino, muito menos dramatizado que a versão “oficial” e nacionalista de um interregno sombrio de sujeição a Espanha: o “Estatuto de Tomar” deu a Portugal a condição de reino herdado e não de reino conquistado, permitindo-lhe uma autonomia no seio da monarquia dos Habsburgo que outros reinos integrados na mesma, como Nápoles, não tinham, e com um papel importante das elites portuguesas na condução do país e das colónias. Neste aspecto, os dois primeiros Filipes, pelo menos esses, “jogaram o jogo”. E se calhar tínhamos mais independência então do que agora.

Outro exemplo – cujo referência temo que me vá merecer muita indignação entre alguns amigos e familiares – passa por uma desmontagem da imagem mais idílica que se tem  do vinte e cinco de Abril como processo sem espinhas. Rui Ramos faz notar que no período logo imediatamente após a revolução o tratamento dos direitos individuais em Portugal andou muito por baixo, com mais de mil detidos (cerca de sete vezes o número de presos políticos aquando da queda do Estado Novo), sem motivação criminal, privados de assistência jurídica, por períodos que chegaram a dezassete meses, inclusive com alguns casos de tortura e privação de assistência médica.

E quanto a ilações para o momento presente? Refiro três ou, talvez, quatro.

Uma primeira é que Portugal não desaparecerá desta. Passou por muito pior e contra todas as probabilidades sobreviveu. Foi campo de combate de guerras europeias. Sofreu a maior catástrofe natural de que há memória na Europa. Teve exércitos espanhóis a entrar por aí dentro em números impossíveis de contrariar. Combateu guerras civis. Perdeu a independência. Viu-se excomungado pelo papa. Foi herdado pela coroa de Castela. Falhou pagamentos da dívida soberana (Fontes Pereira de Melo fê-lo uma vez de propósito, resolveu o pagamento das necessidades internas e em três anos “voltou aos mercados”). Perdeu a canela da Índia, o ouro do Brasil, os diamantes de Angola e os subsídios comunitários. O Sporting ficou uma vez em nono lugar no campeonato. Apesar de todas estas desgraças, ainda cá estamos e cá continuaremos.

Outra é: esqueçamos a teoria do “bom aluno europeu”, percamos esta ânsia de sermos admirados ou considerados como iguais por alemães ou ingleses ou franceses. Não vamos ser, pelo menos durante muitas gerações. O racismo gordinho contra os preguiçosos morenos do sul propalado por Angela Merkel e pelo seu ministro das finanças com ar de “unteroffizier” não difere substancialmente dos preconceitos de Junot contra os costumes portugueses, do desprezo de Wellington sentando-se no lugar do rei no S. Carlos ou dos burocratas da CEE que nas negociações do nosso processo de adesão queriam restringir a nossa circulação no espaço europeu. “Realmente” - terão pensado – “deixar portugueses à solta por aí!”

Junot, Wellington e os eurocratas, todos tiveram a sua corte de bem-pensantes nacionais que gostavam de ser civilizados como os franceses, os ingleses ou os europeus. A solução não está aí. Está em ser bom, em ser o melhor possível por comparação com padrões exigentes que nos imponhamos, não por uma reverente equiparação com um ideal europeu. Isto é um contra-relógio, não uma corrida em pelotão em que temos fazer o jogo do chefe-de-fila. A Europa é um pacto, um negócio. Quando negociarmos, devemos estar conscientes de como os outros nos vêem (como uns atrasados) e usarmos isso em nossa vantagem. Façamos – aí sim – como eles: sejamos cínicos e tentemos sacar o máximo.

Em terceiro, é curioso verificar como existe uma recorrência no modo como as sucessivas elites políticas na monarquia constitucional, na primeira república ou no actual regime democrático encontraram um equilíbrio na rotação no poder, na partilha de prebendas e no esgotamento dos recursos do Estado. Tal resultou na anomia desses regimes e, nos dois primeiros, nas suas quedas. Curiosamente, Rui Ramos faz notar que nunca essas elites sentiram que do lado do povo viesse qualquer perigo. Temiam, na monarquia e na primeira república, o que podia acontecer do lado dos militares. Dizia um político do princípio do século passado que desde que a tropa andasse satisfeita, estava tudo bem.

A ver vamos se nos safamos melhor desta e se a esfrega que vamos levar agora é de modo a que nunca mais toleremos a perpetuação de certos regabofes. Talvez agora percebamos finalmente que acabamos sempre todos por pagar com língua de palmo e taxas agravadas de imposto as obras faraónicas, as desorçamentações espertalhaças, os direitos inalienáveis insustentáveis e tudo o mais que os Albertos Joões Jardins, os Fernandos Ruas ou os Mários Nogueiras deste país nos queiram atirar para cima.


Por último – e é a tal quarta. Dá sempre gosto ler a História deste país. Não somos os maiores, mas somos dos maiores, só por aqui ter chegado com todo aquele passado na bagagem, do mais sublime ao mais infame. É tão fácil amar Portugal. Hoje mais do que nunca.