segunda-feira, dezembro 29, 2008

O ermitério

Neste período natalício, em que minguam as notícias sérias, os telejornais entretêm-se a multiplicar pequenas e ingénuas peças sobre a quadra, como se uma professora primária lhes tivesse dado de castigo o dever de realizar uma redacção filmada subordinada ao tema “o Natal”. Os nossos repórteres de exteriores lá puxam pela cabeça e temos o natal das velhinhas do lar, a feitura do bolo-rei, os cantoneiros que trabalham na noite de consoada, etc., etc., etc.

A SIC, por sua vez, usou de imaginação e, na noite de vinte e quatro, apresenta-nos ao serão o natal de uma família alemã que vive em eremita algures na serra do Marvão, e que de vez em quando as televisões se comprazem a exibir num paralelo com o lobo da Peneda-Gerês e o lince da Malcata.

O pequeno clã teutónico, pai, mãe e ranchada de filhos, vive numa eco-casa de fabrico próprio, erigida com materiais reciclados e dotada de ventilação natural, também conhecida em certos anéis de periferia urbana pelo nome injusto de barraca. Cultiva umas cenas ali à volta, nas quais baseia um regime alimentar crudívoro. A câmara indiscreta não se poupou a primeiros planos sobre malgas cheias de caules de plantas rasteiras, com pinta de dieta de tempo de penúria, mas hoje muito em voga nos restaurantes finos franceses sob o nome de guerra de “crudités”.

O patriarca, uma versão engelhada e passada por lixívia do Roger Daltrey, lá vai dizendo num português bastante solto mas com uma inconfundível pronúncia germânica, que ali não se passa frio porque quem só come vegetais crus tem um sangue mais fluido. Passando rapidamente sobre o facto de uma coisa não parecer ter nada a ver com a outra, não conseguimos deixar de imaginar este senhor a chegar a esta finisterra lá para os finais dos anos setenta, num Volkswagen torradeira a cair de podre e com emblemas “atomkraft nein danke”, com a sua companheira de túnica indiana e sandálias de cabedal, e a iniciar naquele local perdido uma nova vida longe dos malefícios da civilização, cujo mais próximo representante, uma mercearia em Castelo de Vide, distaria uma prudente dúzia de quilómetros.

Num tom justiceiro, a SIC faz-nos notar que, este Natal, o senhor tem uma preocupação adicional. Recebeu uma carta da Segurança Social que lhe quer fazer umas perguntas sobre os seus filhos. O homem lamenta-se que se metam na vida dele e inquieta-se que lhe queiram vacinar as crianças, o que “vai ter” consequências graves e imediatas para a saúde delas. Em nota de rodapé a finalizar a peça, a SIC ventila a ameaça, proferida pelo patriarca, de pegar nos tarecos e na prole e marchar-se para a Guiné-Bissau, onde julgará – a meu ver mal – que lhe vão chatear menos a corneta. Ficamos incomodados.

Não vou dizer que esta reportagem fosse apologética do modo de vida deste senhor, porque seria exagero afirmá-lo, mas o tom, por vezes, foi um pouco “burocracia cega que ataca a liberdade individual e o direito à diferença do coitado do alemão que come legumes crus”. E, como é costume numa peça jornalística, passou ao lado do essencial.

E o que é essencial? Vejamos: este senhor tem todo o direito a gozar a liberdade de apanhar frio à noite e de papar agrião a toda a hora. Que lhe faça bom proveito. Mesmo achando eu que a visão deste homem nasce do medo e da ignorância e que é profunda e caracteristicamente reaccionária, detestaria viver numa sociedade onde ele não tivesse o espaço para a praticar. Tem até o direito de afirmar, com a segurança de um catedrático de Imunologia, que as vacinas causam danos imediatos e graves nas crianças que as tomam. Defendo este seu direito, como defendo o meu de considerar o homem um perfeito idiota, desavergonhadamente a falar do que não sabe. Há sempre doutores astrónomos da mula russa a garantir que a Terra é plana, mas desde que não interfiram com o bem-estar de terceiros, não me incomoda que o façam.

Só que os direitos do alemão acabam onde começam os direitos dos filhos do alemão. E aqui já me parece bem que a sociedade inquira se certos mínimos estão a ser cumpridos. Porque os filhos têm que estar ao abrigo da inépcia dos pais. Vejamos o caso das vacinas. Eu, por exemplo, não tenho a vacina do tétano em dia. Cada vez que vou ao médico ele recomenda-me que a tome e cada vez que me corto arrependo-me de não o ter feito ainda. Sei que não me fazia mal nenhum, antes pelo contrário. Mas o Estado não anda atrás de mim de seringa na mão, e a meu ver bem, porque sendo eu maior, embora no caso em apreço não-vacinado, se quero ser parvo é cá comigo. Conheço as vantagens e os riscos, estou informado, tenho capacidade de decisão, eu que me apresente no posto médico de manga arregaçada, se quiser.


Mas com as crianças passa-se de modo diferente. Não têm nem a consciência informada das vantagens e desvantagens que lhes permita tomar uma decisão destas, nem os meios materiais para a levar a cabo. Por isso, nesta como noutras questões, alguém tem que tomar decisões por elas, na defesa do que se espera ser o melhor entendimento possível dos direitos e interesses delas, crianças. Em geral, a nossa sociedade encarrega os pais deste papel, e verifica-se que acertadamente. Com muitas variantes no modo de o fazer, com mais rigidez ou mais tolerância, com mais carinho ou mais frieza, com maior ou menor desafogo financeiro, os pais, movidos por esse sentimento tão intrinsecamente humano, o amor para com os filhos, lá levam a carta a Garcia.

Mas existem excepções e por vezes há parentes que, de forma mais ou menos evidente, falham nas suas obrigações. Antigamente, quando tal ocorria, a sociedade resignava-se. Se alguém arrebentava com os filhos à pancada de grosso que estava ou não os enviava à escola: coitadinhos, tinham nascido em mau berço. Entre pai e filho, como entre marido e mulher, não se metia a colher. Hoje, felizmente, a sociedade tem evoluído para uma atitude de firme reprovação destes casos. Já se aceita pacificamente que o Estado intervenha quando os direitos da criança à vida, à saúde ou à educação se encontram em risco sério. Não compreenderíamos, aliás, que não o fizesse e por isso vemos indignação para com as instituições quando uma criança morre vítima de maus-tratos dos pais porque a Segurança Social não a retirou atempadamente aos progenitores.

Lá no alemão do Marvão, de uma forma subtil mas evidente, é o direito dos filhos à vida e à saúde que está essencialmente em causa. Se demonstração fosse necessária, podia-se pegar nos gráficos de evolução da mortalidade infantil nos últimos cem anos e ver o papel que a vacinação teve no aspecto descendente da curva. Por isto, do mesmo modo que nos pareceria a todos intolerável que o homem desancasse as crianças ou as tivesse à fome, devemos também indignarmo-nos que as crianças corram riscos desnecessários por, por opção pessoal dos pais, não estarem vacinadas. Acho pois bem que a Segurança Social lhes faça umas perguntas, que promova as vacinações que forem necessárias e, já agora, que verifique se essa pequenada tem as letras que devia ter.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Exposição fotográfica (VII)

Passeio fotográfico matinal por Alfama, com um amigo, em seis de Abril deste ano. Canon 400D.

Escadinhas de São Miguel, com as velhinhas a espreitar a que vinham os fotógrafos.


São Vicente, o próprio do largo de fora, ao sol do meio-dia.

Oficinas de São José.



Beco da Caridade. Sol à espreita e flores nos vasos.

Casas restauradas por trás do Terreiro do Trigo.

domingo, dezembro 07, 2008

Biénio Mataspeak

Quase que, distraidamente, ia deixando passar em claro a efeméride: Mataspeak soprou duas velinhas a três de Dezembro.

Chegou ao octogésimo “post”, quase mantendo no segundo a média do primeiro ano. Para este número contribuiu uma novidade: a exposição fotográfica, originalmente pensada para encher chouriços numa fase de menor inspiração, mas que acabou por arregalar a vista à clientela e ter algum “feed-back” favorável, do tipo “tão boazinhas”.

A numerosa equipa que concebe, produz e leva até vós o Mataspeak juntou-se numa pequena festa privada, no restaurante Lux . Foram vários os colegas que quiseram contribuir. Na foto, o momento em que a Luísinha da contabilidade saiu do bolo surpresa.


Mataspeak vai continuar mais um ano. O esquema de cores, segundo a DECO a principal causa das 3.275.339 reclamações recebidas até à data naquela instituição de protecção do consumidor, vai-se manter tal e qual: letra branca sobre fundo preto, com títulos a verde. Aos clientes reclamantes, recomendo a Multi-ópticas.